Na linha na minha afamada falta de caráter, faço aqui, como todos têm feito, uma breve nota sobre as interpretações produzidas a propósito da despedida de Fidel do poder. É prudente suspeitar das análises que sobre as coisas humanas tentam reduzi-las a um simples sim ou não, bom ou mal, ou qualquer outra forma binária. É quase sempre um discurso dogmático, doutrinário, o que está mascarado em tais linhas interpretativas.
Aliás, Luis Fernando Veríssimo dá uma boa resposta a uma questão que tangencia este tema, numa entrevista concedida a Carta Capital, numa das suas últimas edições. Fiquem com ele, pois.
Renato Pompeu – Você é muitas vezes apontado como esquerdista. O que acha de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador? Como você qualificaria o estado atual da esquerda no Brasil em geral e o governo Lula em particular?
Luis Fernando Veríssimo – No Brasil temos o mau hábito de exigir opiniões absolutas sobre tudo. Talvez porque as opiniões relativas pareçam vir de cima do muro. Mas você pode achar certas coisas em Cuba admiráveis, como a independência que conseguem manter ali embaixo do focinho dos Estados Unidos e o que, apesar de tudo, conquistaram em matéria de saúde pública e educação, e achar outras lamentáveis, como a falta de pluralidade política e a presidência vitalícia do Fidel. Entende-se que a direita brasileira seja obcecada por Cuba e, agora, pelo Chávez, mas não é preciso imitar sua radicalidade, a favor ou contra. A mesma coisa vale para os Estados Unidos, que são admiráveis e execráveis, dependendo do que você está falando. O governo Lula, a mesma coisa, só que nesse caso a gente tende a ser mais a favor do que contra para não engrossar o coro dos reacionários, que já é suficientemente grosso. Esse tal de novo populismo na América do Sul é importante menos pelo que é do que pela sua origem, o fracasso de políticas neoliberais recentes em cima de todos os anos de descaso social das elites do continente, que agora têm que enfrentar os Chaves e os Morales e outros monstros que criou. O novo populismo, ou como quer que se chame isso, também tem seu lado animador e seu lado discutível, além do seu lado precário. Já a esquerda brasileira continua como sempre foi, dividida.