Invasão israelense e a cobertura da imprensa

I

A cobertura da invasão arrefeceu. Infelizmente, após mais de duas semanas de ataques incessantes sem que nenhum medida efetiva fosse providenciada da parte das organizações internacionais, o interesse da imprensa declina gradativamente. Notícia a ser juntada às outras tantas más notícias para o povo palestino. Mesmo assim muita gente tem abordado o tema do tratamento da imprensa sobre a ofensiva. John Kampfner comenta a postura da BBC, que tem se escondido atrás de suposta imparcialidade. Peter Wilby declara: “Israelis no longer appear as victims”. Aí está toda a dificuldade: imparcialidade jornalística não significa aplainar diferenças. O jornal israelense Haaretz julga conveniente dar ênfase e espaço ao relato dos levemente feridos (lightly wounded). Destaca o sofrimento de uma mulher em choque depois que foguetes atingiram Negev. É obrigação jornalística da imprensa israelense noticiar eventos dessa natureza. Ponto. Isso nada tem a ver com Gaza.

Homem queimado por fósforo branco

De Gaza chegam notícias semelhantes: mais de 50 pessoas deram entrada no hospital Nasser na cidade sulista de Kan Yunis, no qual o diretor do hospital, Youssef Abu Al-Reesh, disse que foi um caso de exposição maciça a fósforo branco. (Fósforo branco, eu já disse, não deixa de queimar quando exposto à água; ele dura até ter se consumido por completo, pela simples presença do oxigênio). Outros números, outro grau de sofrimento. A imparcialidade não pode ser a escusa para negar o óbvio. Que se busque informações sobre os dois lados, pois bem, mas, uma vez informados, não deixemos de fazer juízo sobre as diferenças. Imparcialidade não significa indiferença.

Em Israel, ataques de foguetes mataram 14 pessoas em quatro anos. Os mortos nas duas semanas de ataques já somam mais de 900, deles quase 300 crianças. Os cínicos respondem: então é preciso que matem quantos até que Israel reaja? Responder a pergunta é já entrar no jogo da legitimação da ação israelense aceitando a premissa do “Direito de defesa”. Desconsiderar o bloqueio e as privações que Israel tem imposto a Gaza. Ainda que pudéssemos ignorar as mortes e o sofrimento provocados pelas restrições israelenses, ainda sim persistiria a dificuldades em justificar a disparidade dos números e das condições.

Condenar a ofensiva israelense não é apoiar um Estado terrorista, se filiar ao Hamas, ou manifestar sentimento anti-semita — como pensam algumas entitades pró-Israel — é dar um passo em frente e produzir um juízo (o único possível) que resulta da comparação dos números. Deter-se nos números, mesmo assim, é perder de vista o aspecto humano do debate, as mortes narradas por dezenas de jornalistas e pessoas que através de internet contam a história da morte de seus entes queridos — que nada têm a ver com o Hamas. Os números não mostram o rosto das crianças queimadas ou mortas e, contudo, são o bastante para apontar a única alternativa possível, para qualquer pessoa digna e decente.

A única coisa que as pessoas decentes tem a fazer agora é condenar, sem reserva e qualificação, a campanha brutal que a força militar israelense lança contra a população de Gaza. Cada “se” ou “mas” depõe contra decência.

Nas palavras do judeu inglês Brian Klug. Condenar e militar contra a ofensiva israelense não é ser imparcial, é ser humano. Como sabem bem muito judeus.

Atualização: Eu pensei que uso de fósforo branco — que você pode ver nesse vídeo — fosse o cúmulo da crueldade. César destacou o uso de um novo tipo de arma, DIME, leiam e se aterrorizem com o dano que ela pode causar. É a desumanidade encarnada.

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