Eu não lembro quando foi a última vez que conferi uma previsão astrológica para o meu dia, mas confesso que certas coincidências me intrigam. É claro que eu não me disponho a julgar tais coincidências suficientes para constituição de uma ciência, mas elas ainda sim me embaraçam.
Vejam por exemplo a sentença quanto ao manejo das coisas emocionais que me concerne. Eu invejo fervorosamente aqueles que se dispõe a escrever em seus blogs aspectos triviais do seu dia, da sua vida, com a simplicidade de quem descreve figuras geométricas. É domingo de manhã e esse post representa uma ruptura na continuidade das publicações anteriores, contudo, ainda sim, às expensas de um esforço sobrehumano. Quero dizer, salvo quando falei do amor e de seus jogos, nada mais se refere as minhas vivências senão para ilustrar um encadeamento de raciocínio. Os sentimentos estão sempre a serviço da razão e nunca o inverso. Agora mesmo me custou controlar o impulso de converter essa conversa informal, num discurso fechado, quer dizer, que não dê margens à análise crítica dos pressupostos e consequências (1). Portanto voltemos a trivialidade. Minha memória diz que quando foi revelada minha inépcia astrológica para a expressão das coisas emocionais eu ainda não havia entrado na faculdade. Portanto, antes de munir minha compulsão racional com os instrumentos filosóficos que iriam projetá-la a dimensões exorbitantes, já havia um abismo natural a me separar do discurso sentimental. Alargado até o desespero, o abismo tomou o horizonte e ao que fosse sentimental não deixou senão o terreno flutuante da poesia, da arte. Como se não pudéssemos falar nada sobre nossos sentimentos sem assumir posições racionais insustentáveis.
Consola-me Nietzsche:
Os acontecimentos maiores não são os mais ruidosos, mas as nossas horas mais silenciosas.
in Assim falou Zaratustra. “Os grandes acontecimentos”
Mas Nietzsche é uma putinha de confortos para quem vê nele apenas o que lhe convém. A verdade de sua afirmação se conserva e eu continuo aindo preso as minhas limitações. O problema é que parece tão imensamente terapêutica a atividade de escrever despretensiosamente, e talvez essa conduta nos una, como humanos, na rede desinteressada de experimentações que preludiam a arte, a literatura. Enquanto isso eu, quase robô, calculando proposições, preocupado em proteger cada aresta do meu texto contra os espinhos do ceticismo. Enfim…
Há ainda no relato das características geminianas a presença da comunicabilidade, do desejo de abraçar o mundo de uma só vez — e eu sinto tão nítida a vontade de tudo que parece que o nada é o produto inevitável dos meus esforços. “Quem tudo quer, tudo perde”. Falta-me concentração para terminar qualquer tarefa pois a cada instante surgem novas tarefas reclamando meu interesse. Céus! Com que esforço e satisfação eu concluo qualquer coisa. Será, pois, um laivo geminiano? Será Mercúrio lançando seus longos braços sobre minha miserável existência? Não é curiosa a coincidência?
Que a ambrosia tenha bem alimentado Hermes, pois eu estou disposto a mudar este cenário; logo estarei falando e escrevendo tantas trivialidades que será quase impossível recobrar a seriedade. Se esse for o caso, eu encontrei mais aforismos de Nietzsche para justificar a ausência de gravidade.
(1) Alguém poderia dizer, por exemplo, que minha posição parece insinuar que é possível tratar de sentimentos sem um lastro racional, o que demandaria a demora numa explicação indesejada. Pura paranóia!