O Livro do Desassossego é desconcertante, os temas passeiam nele amarrados por um elo quase invisível. E as coisas que surgem assim, quase ex nihil, são frequentemente focos de reflexões profundas que, hoje em dia, poderiam alimentar teses e mais teses de doutorado. Tudo está ali apresentado como coisa aparentemente casual, amealhada distraidamente. Vejam esse parágrafo onde Bernardo Soares...
Amor é coisa do corpo
Para a minha cheirosa… O amor é coisa do corpo, lição da filosofia de Carlos Drummond de Andrade. Ou de Manuel Bandeira? Aqueles que se importam com a posse e com a autoria que decidam quem é o autor da lição. Eu prefiro suspender o juízo e apreciá-la como algo de todos; aprendizado oriundo dessa comunidade — manifesta frequentemente em poetas e loucos (morbus sacer) — que é subterrânea e...
Sou também vadio e pedinte
Não: tudo menos ter razão! Tudo menos importar-me com a humanidade! Tudo menos ceder ao humanitarismo! De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela? Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou, Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente: É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio, É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte. Tudo mais é estúpido...
Amor, palavra essencial
Se eu sou por natureza um sujeito negligente com este espaço, agora, no momento de arrematar a dissertação, tenho motivos de sobra para tanto. Mas para não deixá-lo no completo abandono, coloco aqui para vocês uma bela leitura do ator e diretor Sergio Viotti declaramando Drummond. A passagem abaixo eu recortei do documentário O amor natural (filme homônimo do livro nele homenageado). Bela...
Há 30 anos Vininha se foi
Faz trinta anos morreu Vinicius de Moraes. Vininha, como era conhecido, foi uma figura central para minha formação. Primeiro, como sambista e compositor, suas músicas chegaram aos meus ouvidos pelas escolhas de meus pais, e ele não demorou a se integrar também ao meu próprio gosto. Depois, como poeta e cronista, igualmente bem sucedido e marcante, logo se afirmou como uma referência sólida. Por...
O coração continua
Amigos, perdoem se o blog está às moscas. O carnaval paralisa tudo, espreme, dos dois lados, as bordas do calendário e imprime em tudo antes a urgência. Fiquei sem tempo. E durante, vocês sabem, ninguém faz nada e não posso quebrar a liturgia carnavalesca. Mas estava aqui numa noite reflexiva, após conversas com amigos, e então lembrei um poema de Drummond. Decidido a publicá-lo, descobri que já...
Não fazes falta a ninguém
Que vício deplorável o de escrever ébrio, ou ao menos num estado de excitação alcoólica semelhante — para que eu não caia na classe dessas figuras que se embriagam por qualquer coisa. Tanto melhor! assim estou mais preparado para atender às exigências do mestre Baudelaire, a quem coube o ofício de prescrever os deveres do bom ébrio. Eu, que nunca tive caráter para fugir à regra, entrego-me...
A integridade perdida
AH, só Drummond pode nos aninhar novamente no abrigo de uma humanidade que só encontra coerência na desventura que partilha. E soa tão doce esse prazer de ser irmanado em desgraça, não? Como o zeloso melancólico que se esmera em manter seu mórbido sentimento. Lembro de uma frase do Cortázar (Válise de Cronópio) que dizia algo cujo teor minha traiçoeira memória reconstitui da seguinte forma:...
Não se mate!
Estou em dívida com meus leitores. Os compromissos exigiram o sacrifício de toda leitura e produção alternativa. Perdoem-me! Pra que vocês façam uma imagem, meu agregador já conta 3 mil feeds acumulados, há semanas não abro um jornal, eletrônico ou impresso. Deixei uma discussão saudável com Bruno Garschagen e as outras possíveis com tantos outros blogs que eu frequento. Infelizmente, por ora...
Pavese
Um dos mais populares poemas de Cesare Pavese. Belíssimo! Virá a morte e terá os teus olhos esta morte que nos acompanha da manhã à noite, insone, surda, como um velho remorso ou um vício absurdo. Os teus olhos serão uma palavra vã, um grito emudecido, um silêncio. Assim os vejo todas as manhãs quando sobre ti te inclinas ao espelho. Ó cara esperança, nesse dia saberemos também nós, que és a vida...