A condição de sobrevivente é incerta. O terror vem junto com a incerteza sobre o futuro, os próximos cinco minutos. A vida das pessoas amadas sob ameaça é a tragédia experimentada a todo instante como possibilidade real. Sem eletricidade, sem água, sem alimentos, sem metade das ambulâncias, em condições médicas precárias, os palestinos cuidam dos seus feridos e levam a vida cotidiana sob a sombra constante da morte. Policiais morrem, assim como médicos. Nem as escolas escapam na sanha israelense — nem uma escola americana. Enquanto isso a propaganda de guerra segue a toda força, promovendo a mentira de que os ataques operam com precisão cirúrgica. Com frequências as informações são desmentidas, mas como avaliar a dimensão da propaganda sem que se permita o pleno acesso da imprensa internacional? Só os moradores de Gaza podem registrar — enquanto for permitido — os absurdos que ali grassam, tais como as ligações que eles recebem convidando-os a retirar seu apoio ao Hamas.
“É uma guerra contra o terror e o extremismo”, declara a Ministra das Relaões Exteriores de Israel, Tzipi Livni. As delegacias de polícia, os parques, as escolas, estão entre os redutos terroristas? E as crianças, mulheres e velhos que morrem entre as vítimas? E todos aqueles que sofrem pela circunstância surreal resultante dos bloqueios, da privação de recursos os mais elementares, e da guerra, do lado de fora? O depoimento de Fares Akram, repórter do The Independente em Gaza, é um dos mais tristes que eu já li. Ele escreve sobre a morte do próprio pai, numa fazenda ao norte de Gaza, perto da fronteira com Israel. É mais um documento escrito em sangue que testemunha a precisão das investidas israelenses. Akram vive ainda a angústia duplicada pelo fato de que sua mulher está grávida de nove meses e a qualquer momento pode dar a luz. Mas onde? Como? Os hospitais estão à beira do colapso. Falta tudo! — como em todo lugar, a propósito. É preciso inventar uma nova palavra, o terror não dá conta do medo que se instala sem previsão para partir.
Sempre que leio Crime e Castigo tenho dificuldade para avançar as páginas. Especialmente no final: a história de Ivanovna Marmeladova e de suas crianças é cortante. A degradação, a pobreza, trancam minha mente. Sobretudo a falta de esperança me aflige. O terror tem também essa expressão, a da falta de esperança, da certeza mórbida que a cada minuto ganha o espírito de quem não vê senão humilhação, morte e destruição. Será que a paz pode florescer num chão manchado de sangue e nas almas corroídas pelo rancor?
My grief carries no desire for revenge, which I know to be always in vain. But, in truth, as a grieving son, I am finding it hard to distinguish between what the Israelis call terrorists and the Israeli pilots and tank crews who are invading Gaza. What is the difference between the pilot who blew my father to pieces and the militant who fires a small rocket? I have no answers but, just as I am to become a father, I have lost my father. (Fares Akram)
Atualização 1: Como se nada disso fosse o bastante, Israel tem usado fósforo branco nas incursões em área urbana. O fósforo branco é usado na composição das bombas de Napalm, suas propriedades químicas provocam sérias queimaduras porque white phosphorus continues to burn unless deprived of oxygen or until it is completely consumed. É a crueldade levada ao extremo. Ou melhor, a desumanidade.
Atualização 2: Israel deu um tiro no seu próprio peito: ‘Fogo amigo’ mata três soldados israelenses em Gaza. Nada mais desmoralizante para um exército que comete atrocidades sob alegação de que as baixas são mínimas, por conta da precisão de seus ataques, do que perder soldados vítimas das suas próprias armas. O que dirão agora sobre a sua afamada precisão e pontaria? Sobre sua capacidade de lidar com situações que envolvam civis? Sobre seus cuidados? — se nem mesmo os seus soldados estão inumes às investidas do exército?