PercPan 2009 – Show do Beirut

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Fomos ontem anteontem ao TCA desarmados de paciência. Por maiores que fossem os méritos das duas atrações que nos separavam do show que esperávamos, a expectativa tornava qualquer demora enfadonha. Todos estavam ali com o claro propósito de ver e ouvir Beirut. O início das apresentações estava marcada para às 19:30. Começou às 20h com a apresentação Cyril Hernandez e Cyrille Brissot. A primeira música foi cativante e criou uma expectativa que não se cumpriu. Eles trouxeram um barril metálico transformado em um enorme tambor com o qual misturaram as batidas reais à reprodução em vídeo e áudio de uma composição de muitos outros instrumentistas tocando simultaneamente. O efeito foi forte e a platéia inteira se animou. O que se seguiu, no entanto, foi uma série de experimentações curiosas, mas pouco originais e nada estimulantes. O efeito percusivo da água, sons extraídos do chão, das paredes, mesclados a efeito reproduzidos pelo computador. O francês dançava e brincava com o platéia. A parte mais interessante, além da música inicial, foi a participação do curador do Percpan, Marcos Suzano, tocando pandeiro nos momentos em que sons eletrônicos flertavam com a música brasileira, para logo em seguida cair novamente na experimentação. Depois disso vieram os japoneses da Oki Dub Ainu Band com seus instrumentos típicos. Quando o Marcos Suzano participou mais uma vez, comandando a percussão, o som ficou realmente interessante e tive mesmo vontade de conhecer a banda. Depois disso a coisa desandou, sairam os intrumentos tradicionais e ficou apenas uma guitarra rodeada por mil pedais. Marcos Suzano e um dos japoneses ficaram ali costurando sons e experimentando texturas para aquela infinidades de efeitos dos pedais. Não era pra mim, saí.

Quando a sinere tocou novamente, o público voltou em polvorosa. O palco estava armado para o Beirut. A coisa toda principou com Nantes e então começava a se dividar as curiosidades dessa noite impar. Primeiro, o público. Cada gesto da banda e do seu vocalista era acompanhado por aplausos e comportamentos excessivos, a impressão era de que estávamos diante dos Back Street Boys ou coisa que o valha. Mas Zach Condon contribuia. Ele parecia muito à vontade no palco, cheio de trejeitos, conversava com o público num português canhestro mas surpreendentemente inteligível e algo elaborado. Eu lembro de ter pensando que certos modos dele me lembravam Jim Morrison, embora com mais simpatia. E a impressão de uma forte presença no palco e do domínio do público aumentou quando ele, talvez motivado por fatores até então insuspeitos, resolveu mudar certas coisas. Um dos aspectos mais chatos de assistir determinados shows no TCA é ter que ficar sentado. Zach então pediu que o público se levantasse e viesse até ele. Uma avalanche despencou das cadeiras do TCA em direção ao palco. A insubordinação que talvez pudesse ser interpretada como inconveniente e descortês pela organização do evento, era certamente um aceno de sensibilidade para o público. Eu, velho que sou, preferi ficar sentado confortavelmente na minha cadeira. Mas então estavam lá, a banda e o público separados pela distância de pouco mais de um metro que consistia na altura do palco. Nada mais do que isso. Passaram-se algumas música até chegarmos em Elephant Gun. Apesar de todos os clichês, é realmente emocionante porque a música é forte, ela não atingiu em vão o status que tem como representativa da música deles. Tem apelo e vai se avolumando desde os acordes iniciais daquele instrumento que parece um cavaquinho até depois, quando entra o teclado e então os metais soam intensamente, no clímax. É preciso dizer, nada do show saiu do padrão. Nada diferente do estúdio, mas ainda sim interessante, a vivência da música ao vivo dá novas cores mesmo ao já conhecido. Bem, então Zach, conversando com o público fala pela primeira vez “Você pode cantar comigo”. Mas antes ele parecia ter se dirigido a uma pessoa particular no meio da multidão. A coisa seguiu assim, o público cada vez mais apaixonado por essa nova relação que se estalebecia e ele algo ansioso para estreitá-la. Ele chegou mesmo a fazer gestos como se sugerisse que alguém subisse no palco, mas não o interpretaram assim. Talvez porque o “Você” na frase indicasse ou deixasse a suspeita de que se tratava de um “Vocẽs” não flexionado, compreensível pra um americano. Bem, assistam vocês mesmos à execução de Elephant Gun e observem o comportamento do cantor. Pouco depois, não satisfeito, ele repete a mesma frase enfaticamente e gesticula para o público, dessa vez, pede para que eles subam ao palco. Foi o suficiente. Cinco, quinze, quarenta e três, cinquenta e sete, tivessem mil pessoas em cima do palco, ainda sim ninguém teria julgado que era o bastante. Imensa ingenuidade de Zach acreditar que apenas poucos gatos pingados subiriam, mas enorme insensibilidade do público ter transformado o convite numa cena de selvageria. A primeira coisa que me veio à cabeça foi a selvageria em O nevoeiro. Vejam vocês a balbúrdia que se produziu pelo convite. Resultado, luzes acessas, produção no palco pedindo que as pessoas retornassem aos seus lugares, descessem das cadeiras. Um episódio lamentável. Ao final, se descobriu que um dos microfones fora roubado. O jornal A Tarde publicou uma foto em que um sujeito aparece segurando o microfone, no canto esquerdo inferior.

Do início do show até esse acontecimento transcorreu muito pouco tempo. O tempo restante, curto, foi marcado por um clima profundamente desagradável. A banda tocou por uma hora  — ou menos — no total. As luzes acesas, o desconcerto pela atitude do cantor contraposta ao comportamento do público — incluindo o roubo. A essa altura eu havia perdido parte do interesse e confesso que fiquei um pouco disperso. Pouco tempo depois o show acaba e o público tem oportunidade de ficar sozinho refletindo sua conduta enquanto espera um eventual bis. Eu não gosto dessa turba híbrida entre indies e emos, que se veste de um jeito característico e tem um comportamento quase histérico. O que há de lamentar nessa noite, em parte se deve a essa histeria quase infantil e descontrolada. Pouco depois um representante da produção sobe no palco e diz que eles voltarão para tocar mais duas músicas e aproveita para pedir que o microfone seja devolvido e também um instrumento. Ou seja, foram dois os objetos roubados. A banda volta, ainda constrangida, toca uma música e, na segunda, os músicos saem do palco e fica somente Zach com a sua espécie de cavaquinho. Ele tenta tocar uma música mas não consegue — e a essa altura mesmo quem ainda tinha dúvida de que ele estava bêbado se convenceu. Errou a letra, os acordes. Levou a mão ao rosto como quem ri nervosamente por uma cena vexatória (também com algum deboche), mas simultaneamente constrangido. Só saiu do palco porque foi chamado. Quase puxado pelo braço.

Eis o relato da noite do dia 04 de setembro no Teatro Castro Alves. Não foi de todo ruim, mas um pouco de profissionalismo da banda — e de civilidade do público — teriam contribuído para um noite melhor. Profissionalismo etílico, até, pois eu já assisti muitos shows incríveis de drogados profissionais e alcoólatras assumidos. No entanto, a atitude de Zach não respalda o comportamento da platéia, a histeria, o roubo. É vergonhoso que conste episódio semelhante no currículo da cidade. É esperar que o episódio contribua para o amadurecimento das duas partes e enquanto isso, ouvir Beirut em CD ou mp3 — parece menos trabalhoso e especialmente, menos frustrante.

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