Há 30 anos Vininha se foi

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Faz trinta anos morreu Vinicius de Moraes. Vininha, como era conhecido, foi uma figura central para minha formação. Primeiro, como sambista e compositor, suas músicas chegaram aos meus ouvidos pelas escolhas de meus pais, e ele não demorou a se integrar também ao meu próprio gosto. Depois, como poeta e cronista, igualmente bem sucedido e marcante, logo se afirmou como uma referência sólida. Por muitas razões Para viver um grande amor sempre foi um dos meus livros de cabeceira.

Poema de aniversário” era uma tática segura para angariar a simpatia das namoradas, “O dia do meu pai” um relato da relação entre Vinicius e seu pai (ensejada pela sua morte) que estreitou ainda mais nossos próprios laços. “Médico de flores” um exemplo da extrema sensibilildade do poeta e  da sua maestria na lida com a palavra. “Amor por entre o verde” uma reflexão profunda, temperada pelo sabor da poesia, sobre o amor e sua ancestralidade, quase uma arqueologia do amor, como ele mesmo dizia. “Para viver um grande amor“, uma receita certa, não para longevidade da relação, pois como se sabe, Vininha não mediu a valia dos seus amores pelo tempo que eles duraram — que eu possa me dizer do amor que tive, que não seja infinito, posto que é chama, mas que seja eterno enquanto dure –, mas para construir uma relação de respeito e de paz. “Os politécnicos” me comovia por motivos não muito claros, creio que eu partilhava com Vinicius aquela paixão pela juventude comprometida, sonhadora, com gana de viver, pois era isso também o que transparecia em seu relato, contado com o mesmo carinho com que um pai fala de seus filhos. “O verbo no infinito“, um poema belíssimo que começa com a tradução perfeita do amor materializado na criança: Ser criado, gerar-se, transformar / O amor em carne e a carne em amor; nascer / Respirar, e chorar, e adormecer / E se nutrir para poder chorar.

Mas o poema que eu mais gosto — e que registro aqui como homenagem a ele e a todos os que gostam de sua poesia — é “Ternura”:

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma…
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
                [extático da aurora.

Aproveitando a oportunidade, é preciso também corrigir um equívoco comum, Vinicius sempre foi político, um diplomata de profissão, nunca teria escrito algo tão grave quanto as feias que me perdoem mas beleza é fundamental, sem antes interpor um atenuante para suavizar o peso das suas palavras. As muito feias que me perdoem, foram suas palavras em “Receita de mulher“.

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