Na noite do dia 31 fomos todos para a avenida Paulista. Pobres, ricos, paulistas, baianos, altos, baixos. Estávamos de início todos em frente ao MASP, com bandeiras, brincando, alegres, bebendo. Não havia distinções. Talvez apenas uma: alegres e tristes. Ou talvez nem isso. A diversão da noite era dançar em frente à sinaleira da Paulista com a Pamplona, agitando as dezenas de bandeiras em frente aos carros, para irritação de muitos. Em alguns carros, no entanto, havia pessoas comedidas que, embora não fizessem coro com a alegria que nós expressávamos efusivamente, sorriam com discrição. Essas pequenos gestos são reconfortantes. Sorrir contagiado pela alegria sincera dos seus adversários é o tipo de manifestação honesta que nos faz acreditar que as diferenças, constamente afirmadas como insuperáveis e inconciliáveis, pode ser desfeitas, ou que elas podem coexistir sem percalços. Dentre os muitos carros que passavam buzinando para nós, havia carros mais velhos, humildes, mas também muitos carros caros, importados. Pessoas fechavam os vidros, mudavam de pista, outras encostavam, paravam o carro, pediam bandeiras. Foi um momento de felicidade e diversão na Paulista, momento coroado por uma apresentação improvisada mas fantástica de Alceu Valença.
“Eu voto no Serra e acho que teve armação, porque quem vota na Dilma são as pessoas de classe baixa. E grande parte dessas pessoas não viaja. Enquanto que os que votam no Serra estão se divertindo por todo o Brasil, né?”, analisou o engenheiro Jadiel Beigo, 25
Ou ainda essa outra:
A advogada Leila Amaral, 41 (à direita), viajou de Sorocaba para o Guarujá e optou por não votar. “Com certeza o governo programou isso para favorecer a Dilma”, disse. O amigo Reginaldo de Camargo, 32 (no centro), a acompanhou: “A praia e a paisagem estão bem melhor que as eleições”
Muitos dos mais raivosos apoiadores de Serra que encontrei em São Paulo diziam com frequência: “esse povo sem formação vai elegê-la” — se referindo a Dilma. Como se formação fosse sinônimo de inteligência e clareza política. Brandindo a falácia que faz confundir a escolha política, representativa, com uma escolha estritamente técnica. Advogados, engenheiros, profissionais de todas as áreas, expondo para quem quiser ler uma ignorância perfeitamente ajustada às habilidades técnicas que se supunha eliminá-la. Apresentando uma tese de fazer corar crianças no primário. A menos, é claro, que o governo tenha contado com a falta de espírito cívico que os fez optar pela diversão na praia ao invés do compromisso breve de expressar nas urnas sua vontade. Não deixa de ser uma opção razoável, pensando bem, pois há poucas coisas mais certas do que a previsibilidade das pessoas que não tem compromisso político ou daqueles a quem falta o mínimo vestígio de empatia pelos seus iguais. O pensamento raso de pessoas capazes de declarações desse gênero é imensamente mais perigoso que os atos esclarecidos de ditadores — e essa tese eu já apresentei aqui inúmeras vezes — pois não há mecanismo democrático capaz de desinfetar o rancor de suas almas. E o exercício de suas opções fascistas acontece diuturnamente nas zonas cinzas da nossa democracia, sob a sombra do legítimo direito de expressão.
Mas que seja, haveremos de vencer também esse desafio. Não serão espíritos tão tacanhos que irão deter a alegria desse momento, porque eles são poucos, menores e seus sentimentos salgam, mas não fertilizam. Não pagarem, nós nordestinos, esse despeito com mais ódio. Pois nosso ódio não é melhor que o deles. O ódio não justifica o ódio. Aliás, o nós brasileiro há de prevalecer sobre o nós particular do nordeste, do sudeste, etc. Ao final, seremos apenas nós, brasileiros. Como os dois brasileiros abaixo, um pernambucano e uma mineira, nessa imagem de amolecer os corações mais duros e que deixou meus olhos rasos d’água.