Dizer Sim!

D

Pode soar estranho, mas acho que o amor fati nietzscheano tem alguma afinidade com isso que eu considero uma certa perspectiva mística e religiosa. Claro, há diferenças significativas, mas tenho a impressão que uma atitude englobadora e abrangente é comum a ambas. O que eu quero dizer é que não estou certo que toda experiência religiosa e mística seja meramente uma negação da vida e uma estratégia para dar sentido ao sofrimento. Às vezes também a religião pode ser uma forma de afirmação e celebração.

De qualquer forma, eis o famoso parágrafo 276 de Gaia Ciência:

Hoje, cada um se permite expressar o seu mais caro desejo e pensamento: também eu, então, quero dizer o que desejo para mim mesmo e que pensamento, este ano, me veio primeiramente ao coração — que pensamento deverá ser para mim razão, garantia e doçura de toda a vida que me resta! Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: — assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas. Amor fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!

2 comentários

  • Olha, adoraria explorar essa hipótese com você (caso eu não tenha chegado tarde demais).
    Tem uma maneira que pode dar muito trabalho, mas que é certamente recompensadora: interpretar a conversão do Zaratustra ao longo das três primeiras partes do livro. Ele começa como o "anunciador do além-do-homem" e termina como o "mestre do eterno retorno". Uma hipótese prévia: Zaratustra é um profeta (muito muito semelhante aos profetas religiosos). Hipótese principal: o eterno retorno de todas as coisas e a consequente necessidade de que, dada a verdade do movimento circular do universo, tudo deva ser afirmado fervorosamente — isso só pode se situar no campo da crença ou da fé. A conversão: para poder _implementar_ um futuro para o homem (= o além-do-homem), ele precisa da crença em uma certa ordem cósmica.

  • Eu realmente não tenho uma visão global do livro. Quando muito, na verdade, lembro de um ou outro fragmento. Você poderia desenvolver essa ideia, nós aceitamos "guest posts" por aqui 😀

    Quer dizer, tudo isso me interessa, mas eu realmente não me sinto capaz de desenvolver essa perspectiva desde um ponto de vista nietzscheano

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