Colonizados prestando atenção ao doutor

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Poucas coisas me irritam mais que ler alguma matéria que trata, aborda ou entrevista professores de Harvard. “Harvard” é o tipo de palavra que virou símbolo de prestígio e credibilidade, mas o jornalismo brasileiro abusa dessa força simbólica. Em cada uma das universidades brasileiras há um sem número de professores e professoras capazes de dizer coisas muito menos genéricas do que “é preciso que o STF volte ao seu lugar”. O STF vai estar no mesmo lugar em que sempre esteve. O ex-secretário de Segurança Pública do governador Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes, vai continuar atuando como ele sempre atuou depois que foi nomeado ao cargo por Michel Temer; Gilmar Mendes vai continua atuando como ele sempre atuou. Fux, o mesmo. Só alguém que não acompanha e não sabe quem são os ministros do STF pode dizer algo tão genérico e impreciso. Mas quando o cara é o professor de Harvard e escreveu o livro sensação entre os progressistas e os liberais, tem-se a sensação de ele é um alquimista, e tudo que ele diz é valioso e merece manchete.

Quase toda semana Conrado Hubner escreve sobre o STF, e ele jamais diria tamanha platitude. Os professores de Harvard acreditam com frequência que tudo que sai de suas bocas é ouro, é dever das pessoas inteligentes contestar a opinião que as pessoas têm de si mesmas, e questionar a vontade de falar dos intelectuais, a falta de cuidado com a palavra. O jornalismo brasileiro faz parecer que o pensamento tem que vir de Harvard, de Cambridge, de alguma universidade gringa, sem intermediários, como algo a ser absorvido e repetido. E a gente o escuta como quem anota regras que estão sendo ditadas, mesmo quando são platitudes.

Não me levem a mal, o livro dele é do tipo que eu classifico como “não li e já gostei”, porque deve ser uma puta pesquisa, pois a galera lá de Harvard sabe fazer essas coisas, boas pesquisas científicas em ciências sociais. Mas a babação de ovo é desconfortável, porque revela a troca da capacidade crítica pela circulação acrítica de símbolos de poder (intelectual). Qualquer pessoa minimamente crítica pode reconhecer que a ideia central do seu comentário sobre o tema é uma banalidade sem importância, o que não significa dizer que seja sem importância sua pesquisa e seu livro, só não dá para elevá-lo à condição de guia e palpiteiro universal que os jornalistas tanto buscam para secretamente certificar que eles mesmo estão em consonância com o melhor do pensamento e da inteligência da metrópole, da colônia. Essa sólida democracia chamada EUA.

O Congresso tá querendo dar um cavalo de pau no STF, e o cara tá falando da necessidade que o STF volte ao seu lugar. Me bata uma abacate, como se diz na Bahia.

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