Um pirata no Spotify

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Eu fico feliz de ter registrado aqui parte da história da internet, das suas muitas histórias, ou dessa história sem fim em que nos metemos recentemente. Em 2008 eu escrevi A birra dos maus perdedores, sobre como as decisões da indústria de perseguir piratas e tecnologias de compartilhamento indicavam estreiteza e falta de visão sobre a dinâmica da internet:

A indústria fonográfica ainda não assimilou as pequenas derrotas que a internet lhe impôs, por isso briga por cada centímetro de um terreno que já não é mais seu. Nessas horas eu me pergunto: será que as altas esferas de comando desses setores, os responsáveis pelas decisões acerca dos processos jurídicos e estratégias de marketing, não são assistidos por técnicos ou pessoas que dominem conhecimentos, ainda que rudimentares, sobre tecnologia, internet e coisas afins?

A internet só pode ser surfada, não pode ser contida. É basicamente isso o que eu digo em Capitalismo e conhecimento livre podem conviver, de 2010.

O que a internet nos diz eloquentemente, e diz a todas as pessoas de iniciativa e de visão, é: ajustem-se à minha dinâmica. A internet representa esse movimento impulsivo e sem direção, mas livre. Sua liberdade gerou e gera ainda hoje muitas riquezas.

É verdade que em algum momento a internet vai sim gerar incompatibilidade e conflito com o capitalismo, pelas (previsíveis && imprevisíveis) consequências sociais que ela produz, mas isso não significa que a repressão seja uma boa estratégia comercial. Até lá muito dinheiro vai rolar e é imensamente preferível constatar que existem muitas pessoas, há muito tempo, com inteligência para surfar tudo que a internet tem para oferecer como serviço, a partir de seus marcos tecnológicos.

Eu tenho pendente escrever um texto sobre minha condição de putinha do capitalismo, mas em certa medida isso já estava na minha defesa da compatibilidade entre capitalismo e conhecimento livre. De qualquer modo, o que eu queria dizer é que um trabalho bem feito encanta e deslumbra até mesmo inimigos do capitalismo, porque são expressões da engenhosidade e inteligência humana. E eu sou deslumbrado pelo Spotify, sou assinante faz alguns anos e abandonei completamente minha carreira de pirata da indústria fonográfica. A conveniência do serviço substitui larga e satisfatoriamente o interesse em buscar coisas pela internet, porque por melhor que seja o trabalho, é um imenso trabalho. O catálogo da Spotify, por exemplo, soluciona o problema de organização, de preenchimento de tags dos arquivos de áudio, que tanto inferniza a cabeça de qualquer pessoa que baixe e organize sistematicamente arquivos de música. Montar um servidor de streaming em casa é possível há muito tempo, eu montei um antes de 2010 usando o Icecast e outras aplicações, mas não é para todo mundo. Com a Spotify o serviço vem completo. O software é lindo, a integração entre dispositivos conectados é completamente smooth, e a cada novidade no software deles eu flipo, como dizem os espanhóis.

Se até um pirata pode seduzir-se pelos maravilhosos serviços que a internet tem para oferecer, isso significa que optar pela repressão às tecnologias de compartilhamento é demonstrar uma visão não só bastante limitada e atrasada, mas também incapaz de inventar meios de fazer das potencialidades da internet uma fonte de riqueza (financeira) — o que surpreende, dada a centralidade do dogma do empreendedorismo e da iniciativa.

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