Nada mais nocivo do que a tendência lamentavelmente comum de apresentar uma discordância (radical ou pontual) como uma disputa entre o bem e o mal. E isso se faz de muitas maneiras e às vezes de modo bastante discreto. Como resultado, criam-se grupinhos — panelinhas, como os chamamos na Bahia — relativamente impermeáveis onde uma certa verdade (ou uma persona) é adorada.
Digo isso porque não são poucas as minhas diferenças com respeito às ideias de Mangabeira Unger, embora concorde com alguns pontos da análise que ele faz em entrevista à revista Época. Nossas perspectivas são radicalmente distintas. Mas eu não quero, agora, me demorar explicando detidamente essas diferenças. Queria apenas sublinhar e indicar en passant, a despeito dos nossos acordos, um aspecto que sugere o núcleo das nossas diferenças. Mangabeira começa a entrevista louvando uma revolução subjetiva e certas características que, segundo ele, tem despontado entre certo segmento social. Fala em cultura da iniciativa, do mérito individual e do empreendedorismo. Não é que não exista nada de interessante e prático nessas características, mas tendo em conta que estes são elementos que dão forma à própria subjetividade capitalista e neoliberal, aspectos profundamente enraizados no ethos de grande parte da humanidade, convém perguntar, com honestidade, se é isso mesmo o que nós precisamos? Responder negativamente essa pergunta exigiria justo aquilo que agora eu não quero apresentar, uma resposta demorada. No entanto, já dá pra ver que os planos de Mangabeira pro Brasil consistem em pouco mais do que adaptar ao Brasil parte do ideário predominante nos EUA e na Inglaterra. Eles tem dado certo por lá? Quer dizer, é isso o que o mundo precisa, dadas as circunstâncias meio-ambientais e políticas? Eu não tenho dúvida de que a receita funciona quando temos em vista a dinâmica produtiva de uma sociedade que precisa gerar empregos e “se desenvolver”, e que é isso o que os políticos tem que vender nas eleições, ou seja, essa perspectiva tem um forte apelo pragmático (e eleitoral). Mas esse roteiro já não é suficiente para enfrentar os novos desafios postos ao planeta e à própria democracia. O aprofundamento da colonização subjetiva que Mangabeira louva como revolução, no Brasil, irá apenas aplainar a especificidade da nossa existência tropical, da qual poderíamos, com um pouco de reflexão, extrair um modo de existência (uma forma de vida) verdadeiramente revolucionário, que substituisse o atomismo que contribue para o panorama que vemos no mundo de hoje. Eu aposto, entretanto, que o realismo dos que querem gerar empregos (mesmo que com boas razões, diga-se de passagem) prevalecerá e, alimentando a tendência já bem nutrida, seguiremos mais uma vez os passos das nossas metrópoles.