O medo do que representa o adensamento político do PMDB

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Vou dizer uma coisa a vocês, eu acredito realmente que o governo de Dilma pode representar a continuidade e mesmo um avanço significativo em relação ao governo Lula. Acho que ela tem competência para afinar certos aspectos da política econômica, ajustando ao seu entendimento, talvez algo mais desenvolmentista. Suas posições políticas costumam ser firmes, embora às vezes polêmicas. Gosto desse aspecto. Lula é um diplomata, mas às vezes é preciso ser enérgico. Esse tipo de postura transmite segurança.

No entanto, eu não vejo com bons olhos o adensamento do PMDB em torno da candidatura de Dilma. Fazer forte o PMDB de Michel Temer é aprofundar uma dependência funesta e perigosa e condenar o Brasil ao mesmo envenenamento que o tem consumido nos últimos anos. No governo de Dilma o partido pode estar ainda mais forte (há o risco do vice-presidencialismo, apontado por Alencastro). Não que o PSDB seja uma alternativa. Não é. E é justamente isso o que me preocupa. Que não tenhamos alternativa a não ser continuar, de um jeito ou de outro, com o PT ou com o PSDB, fazendo política conforme o velho modelo de sempre. E que nenhuma perspectiva futura possa alentar em nós a esperança de uma mudança nesse cenário. O Brasil construiu o lastro para um crescimento econômico sólido e assim pode afiançar as mudanças que quer pra si, isto é, pode aliar o crescimento a uma preocupação social da qual não abre mão. Contudo, no âmbito político ainda não criamos as mesmas condições para o avanço — ao contrário. A governabilidade, pela composição de forças que partidos costuram, parece cada vez mais agarrada a pactos com forças obscuras de cujas amarras os governos não conseguem se livrar. Figuras de caráter questionável se perpetuam, cada vez mais centrais, sem que nenhum ar novo ventile o ambiente político, afastando o ar viciado que elas expelem, criando novas alternativas, novas forças e canais de escoamento político e eleitoral.

Uma transformação radical da sociedade brasileira exige que nos afastemos dessas figuras, dessas personalidades centralizadoras. Podemos e iremos mudar expressivamente o panorama econômico e social de milhões de brasileiros — essas mudanças são irreversíveis. Mas há um limite para mudanças, elas se detem justo na fronteira onde as próximas mudanças exigem um novo espírito dos agentes políticos, um espírito incompatível com aqueles que hoje transitam  pelas ruas de Brasília. É realmente preocupante que as figuras públicas interessantes no Brasil não surjam com a mesma frequência que novos talentos no futebol. Preocupa de igual modo que as poucas pessoas que hoje são capazes de renovar o ar viciado da política nacional sejam postas de lado do centro das decisões, marginalizados em prol dos cálculos convenientes para constituição de forças eleitorais. E quando digo isso penso especialmente em Ciro Gomes. Não que eu acredite, ao contrário do que já havia dito antes, que há messianismo político. Não há. Mas ainda sim precisamos de alguém que energicamente aposte na possibilidade de um governo mais independente da constituição de alianças que nos imponham a convivência e o favorecimento a figuras malquistas. Precisamos apostar no poder político das urnas — Lula nem sempre foi tão dependente do PMDB, especialmente nos primeiros anos do seu governo.

O medo de perder o poder tem congelado dos partidos brasileiros, fazendo com que eles covardemente se agarrem a pactos que, se por um lado garantem uma relativa autonomia governamental, por outro atrofiam a maturação do sistema político brasileiro, nos aprisionando a um conjunto de práticas e modos de fazer política que oferecem terreno fértil à corrupção. A mudança só se realizará quando algum deles agir com coragem. Isto é, quando agirem considerando a possibilidade da derrota, ou melhor, quando não estiverem dispostos a tudo para vencer. A ânsia pelo poder cega e perpetua as mesmas estruturas nocivas que ensejam um sem número de práticas repreensíveis. Talvez tudo isso seja mera utopia. Nenhum partido arriscará suas chances de vitória em nome de uma descontaminação, de uma redução nos níveis de poluição política. Pode ser. Mas uma coisa podemos aprender: se essa utopia não puder ser realizada, nunca estaremos livres desse modo de fazer política que hoje nos horroriza, porque nunca haverá pessoas interessadas em mudar esse cenário.

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