Eu estava aqui lendo os comentários de Deleuze sobre a vontade de potência (amanhã eu publico uma parte interessante desse texto), quando lembrei de uma observação curiosa de Nietzsche sobre certos traços de estilo do povo alemão. A observação é instrutiva, porque pode ser um guia seguro para quem deseja escrever bem: tire os ouvidos da gaveta.
Que o estilo alemão tem pouco a ver com o som e os ouvidos é demonstrado pelo fato de que justamente nossos bons músicos escrevem mal. O alemão não lê em voz alta, não lê para os ouvidos, mas para os olhos: ao fazê-lo, põe os ouvidos na gaveta. O homem da Antiguidade, quando lia — acontecia raramente –, lia em voz alta, também para si mesmo; as pessoas admiravam-se quando alguém lia baixo, e secretamente perguntavam-se pelo motivo. Em voz alta: ou seja, com todos os crescendos, inflexões, mudanças de tom e variações de ritmo com que o mundo público da Antiguidade se rejubilava. As leis do estilo escrito eram as mesma do estilo falado; estas dependiam em parte do espantoso desenvolvimento, das refinadas exigências do ouvido e da laringe, e em parte da força, duração e potência dos pulmões antigos. Um período é, na concepção dos antigos, um todo fisiológico, na medida em que é contido numa só respiração. Esses períodos, tal como ocorrem em Demóstenes, em Cícero, duas vezes crescendo e duas vezes baixando, tudo em um só fôlego: eles são deleites para os homens antigos, que por sua instrução podiam apreciar a virtude que há nisso, o raro e difícil na elocução de um tal período — nós não temos direito ao grande período, nós, modernos, de fôlego curto em todo sentido! Pois esses antigos eram todos diletantes na oratória, portanto conhecedores, portanto críticos.
Nietzsche, Além do bem e do mal, § 247