O melancólico e o luto

O
Há poucas horas uma amiga me contava sobre como sentia que seus medos pareciam espelhar receios passados, antigas frustrações, temores, e eu imediatamente lembrei de uma passagem do livro Sol negro — depressão e melancolia. Embora eu já tenha mencionado Julia Kristeva algumas vezes no blog, eu procurei e não encontrei essa parte do livro que há tempos eu quero citar por aqui. Então, é chegada a hora. É uma formulação lapidar que demarca com precisão os limites do sentimento da melancolia/depressão — em relação ao luto.

Contudo, o poder dos acontecimentos que suscitam minha depressão, geralmente, é desproporcional em relação ao desastre que, de forma brusca, me submerge. Mais ainda, examinando o desencanto, mesmo cruel, que sofro aqui e agora, este parece entrar em ressonância com traumas antigos, a partir dos quais me apercebo de que jamais soube realizar o luto. Posso assim encontrar antecedentes do meu desmoronamento atual numa perda, numa morte ou num luto de alguém ou de alguma coisa que amei outrora. O desaparecimento desse ser indispensável continua a me privar da parte mais válida de mim mesmo: eu o vivo como um golpe ou uma privação, para contudo descobrir que minha aflição é apenas o adiamento do ódio ou do desejo de domínio que nutro por aquele ou aquela que me traíram ou abandonaram. Minha depressão assinala-me que não sei perder: talvez não tenha sabido encontrar uma contrapartida válida para a perda? Como resultado, qualquer perda acarreta a perda do meu ser — e do próprio Ser. O deprimido é um ateu radical e soturno. [grifos meus]

É um livro fascinante para quem se interessa por temas como psicanálise, literatura; depressão e melancolia, obviamente.

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