Primeiro, os esclarecimentos iniciais: a CPI da Petrobras é um instrumento político-eleitoral e o Blog da Petrobras uma resposta às investidas dos interessados em colher as consequências do ataque à empresa. Claro, cada uma das partes mascara seus interesses como quer, pretextando justificativas para suas ações. Curioso é que alguns jornalistas parecem negar a Petrobras o direito de responder às insinuações que brotam diariamente nos jornais. À empresa cabe exclusivamente assistir, passiva, ao festival de denúncias, infundadas ou não, que desfilam na passarela política. Na certa, na esperança de que o alto desenvolvimento institucional brasileiro seja capaz de sanar os possíveis abusos e que imprensa regule seus próprios arroubos de interesse.
Este é o conto de fadas que constitui o pano de fundo para as queixas contra o blog. Os reais interesses não virão à tona explicitamente: os senadores não admitirão que querem encaixar o primeiro ataque de uma série que se estenderá até 2010, tampouco a Petrobras admitirá que sua iniciativa seja uma resposta a um debate político envolvido na questão eleitoral do próximo ano. Não é porque eles negam que iremos descartar o óbvio. Surpreendente é o esforço para minar a legitimidade da criação do blog. Gente séria e ponderada como Kennedy Alencar andou alardeando as mais disaparatadas teorias para predicar com adjetivos nada louváveis a iniciativa da empresa. Segundo Kennedy, a decisão de Petrobras é burra e antiética. De acordo com ele a empresa jogou “na rede mundial de computadores questionamentos e observações de jornalistas antes que as reportagens sejam publicadas” e por isso cabem os adjetivos mencionados. Vamos imaginar que de fato a crítica seja apropriada, que a Petrobras tenha realmente cometido um erro ao publicar as perguntas que lhe foram enviadas previamente. Como isso é capaz de transformar uma iniciativa que transcende este episódio numa decisão burra e antiética? Todos os esclarecimentos anteriores — e posteriores — que não romperam com a “relação de confiança necessária à liberdade de impresa” devem ser postos na mesma vala? É claramente uma condenação apressada, a despeito da opinião que se tenha acerca do episódio envolvendo a publicação prévia das perguntas dos jornalistas.
A decisão da Petrobras espelha o reconhecimento de uma assimetria que é o aspecto elementar do modo como são tratadas as questões políticas: as denúncias têm muito mais espaço que as apurações. As pessoas que se incomodam com o blog esquecem que para quem acusa e tem interesses comprometidos com o enfraquecimento político da empresa e do governo, uma denúncia fundada vale tanto quanto uma infundada. Isto é, num cenário em que as apurações pouco importam, quer pela morosidade da justiça, quer pela falta de atenção dispensada pela grande imprensa, o que vale é levar suspeitas, minar a credibilidade.
O blog é a tentativa de atalhar o caminho da informação, suprimindo o intermediário: os veículos de comunicação em sua forma tradicional. Isso incomoda! A imprensa andou em polvorosa com a declaração do deputado que disse se lixar para a opinião pública. Contudo, ela própria faz o mesmo há anos, não aproveitando as chaves que as flutuações da opinião pública oferecem e insistindo numa posição inflexível, doutoral, como se tivesse um privilégio interpretativo. Seu poder e sua resistência repousam na detenção dos meios de produção. A internet é uma ameaça a esse poder. Desde de 2006, no Brasil, assistimos a um crescimento significativo da importância do debate político travado na internet ou pelo menos da importância dispensada a este espaço. Ano passado a eleição americana atestou definitivamente a integração do espaço virtual como fator indispensável a uma estratégia vitoriosa. Nesse sentido, o blog Fatos e Dados não só não é burro, como é genial no propósito e, por assim dizer, no pionerismo. Eu sinceramente espero que os partidos políticos também aprendam a lição. Há novos canais de comunicação que não passam exclusivamente pelas vias tradicionais. Quando bem utilizados, esses recursos podem ser o diferencial de um novo modelo de democracia, de relações interpessoais e de espaço público.
Aos chorosos resta a cama quente e aos jornalistas, o debate vazio em torno de um código de ética inexistente e de uma legislação para a qual toda a iniciativa de expressão e comunicação é livre e bem vinda. @@@
Discutindo a questão “antiética”:
Transformar o possível prejuízo resultante da revelação antecidapada das pautas de um jornal num “prejuízo público” é chamar o leitor de burro. Imaginar que um jornalista que publica uma informação desencontrada, imprecisa ou errada “arcará com o ônus” é chamar o leitor de ignorante, é pressupor que ele ignora a longa história que vem de 1500 até os nossos dias e que contraria manifestamente essa relação. A discussão não é de todo irrazoável, o problema é que ela foi claramente supradimensionada.
O argumento lançado por Pedro e endossado por Marcus de que “se o único objetivo da Petrobras fosse realmente transparência, era muito simples resolver: publica perguntas e respostas logo após os jornais levarem ao ar suas informações exclusivas” é ingênuo. A interpretação apresenta um único modo de relação entre o propósito de transparência e o comportamento da empresa, qualquer outro caso caso indica propósitos escusos. Assim é fácil, prescrever um modo de relação e transforma todo o resto em testemunho contrário. A questão é saber por que nós haveríamos de comprar um modo tão estreito de lidar com as coisas? Quais as razões para isso?
Toda essa discussão é vazia, pois está fundada na suposição de que a possibilidade de prejuízo dos jornais é também uma perda para opinião pública e a para a “liberdade de imprensa”. Todos os que defendem essa leitura tomam essa ligação como pacífica, mas até agora ninguém explicou a mágica.
PS. Lembremos que se a acusação de corporativsmo não vale para explicar a posição dos jornalistas nessa contenda, não vale também mobilizar a simpatia pelo governo para explicar o endosso à iniciativa da Petrobras.