Em Robin Clarke, como em muitos outros, é colocada a questão: o que aconteceria se algum louco perigoso, chegando ao poder, decidisse, de repente, desencadear o apocalipse nuclear, durante um acesso de mania psicótica? A resposta não contém dilemas: o fim do mundo e da raça humana. O estoque de armamentos disponível, segundo estimativas restritivas, ultrapassa em muito a possibilidade de alcançar esse objetivo. Mas a pergunta foi muito mal formulada. Só não o é para aqueles que admitem o pesadelo contemporâneo como constituinte das condições normais. Na verdade não há uma pergunta, há apenas uma evidência: os loucos perigosos já estão no poder, já criaram essa possibilidade, organizaram os estoques, requintadamente prepararam a extinção total da vida.
De alguma maneira nos acostumamos a essa realidade. As ideologias e justificações, empilhadas ao longo dos anos, parecem conferir legitimidade ao cenário. As anotações de Serres soam quase ofensivas, como se apontassem uma convivência irresponsável — para qual nós temos um longo e complexo discurso justificador –, como se fossem simplificações inaceitáveis. Mas antes de acusar simplificação, cabe uma pergunta honesta: há efetivamente algum discurso que dê uma resposta satisfatória para o acúmulo de um poder tão mortífero?
Estudai de perto os documentos, observai os fatos, e na mesma hora sereis persuadidos de que somente algo assim como uma psiquiatria pode explicar verdadeiramente o segmento histórico do pós-guerra. Estais persuadidos de que vivemos e continuamos a viver sob a posteridade de Hitler: isso me parece demonstrar que Hitler ganhou a guerra (…) Não há chefe de Estado, hoje em dia, que se conduza diferentemente dele, no que diz respeito às estratégias, aos armamentos e à cegueira completa sobre fins perseguidos, por meio desses estoques. Todos se conduzem como ele quanto ao desvio da ciência para fins mortíferos. Todos se conduzem como ele quanto ao disfarce dessa única verdade em relação ao povo. Qualquer que seja a intenção, o discurso ideológico, a conduta é constante, invariável, estrutural, sobre o planeta inteiro, frente às forças termonucleares e aos mísseis intercontinentais. Não estou dizendo que há loucos perigosos no poder — e um único seria suficiente. Digo sim: não há no poder nada além de loucos perigosos. Todos jogam o mesmo jogo e escondem da humanidade que estão organizando sua morte sem acaso. Cientificamente.
Não fosse a concessão final, seria um fragmento irretocável. Não há uma humanidade da qual se esconde uma organização mortífera. Há, sim, uma humanidade indiferente a essa organização. É perigoso excluir a responsabilidade daqueles que permitem e permitiram “loucos” no poder. É perigoso pensar que esse quadro instalou-se sem a conivência, direta o indireta, do povo. Perde-se de vista, com a concessão, o interesse que há no alheamento e a organização também envolvida no distanciamento do povo das questões centrais da política nacional e internacional.
Fragmentos extraídos de “Tanatocracia”, em Hermes — uma filosofia das ciências.