Terra Magazine (11/03/08)
Há tempos eu afirmo que os debates exigem condições elementares e que eles não se regulam senão pelo esforço de elaborar um terreno comum sobre o qual o consenso (ou o dissenso) é produto de muito trabalho. Acima de tudo tenho destacado as consequências negativas que resultam da inobservância de tais condições. Professor João Carlos aponta algumas posições e argumentos que têm obstruído o debate produtivo acerca da questão da inconstitucionalidade da regulamentação do uso de células-tronco, parte da Lei de Biossegurança.
Há, por exemplo, duas ordens de declarações especialmente incômodas para quem deseja favorecer o debate franco, com condições mínimas de produção de um consenso por meio da argumentação.
Temos o elogio deslavado da ciência, tornada em valor, um valor superior a qualquer ordem, embora não deixe de representar interesses econômicos poderosos. Nesse caso, porém, a simples indicação de coincidência entre os interesses da pesquisa e o de grandes empresas, o fato trivial de que programas de investigação científica são produtivos não apenas por razões epistemológicas, isso não serve para indigitar os pesquisadores ou tornar suspeitos seus argumentos. Por outro lado, temos um conjunto de declarações de possíveis beneficiários das pesquisas, tornados então em vítimas, cujo socorro tudo justificaria.
A estrutura argumentativa passeia assim entre os extremos do apelo à autoridade e do apelo à piedade, com forte recurso a tradicionais argumentos contra o homem.
Buscar condições mínimas não significa deslocar o núcleo do debate, mas reconhecer que um acordo só sobrevém se antecedido por uma organização que lhe favoreça. Significa reconhecer que uma certa ordem do discurso pode desfavorecê-lo ou mesmo impossibilitá-lo. A heteronomia do discurso serve apenas aos que querem apoiar seus argumentos nas emoções que despertam ou na autoridade investida naquele que o enuncia, sem a preocupação de lhe atribuir alguma consistência.