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Meu amigo André, que tem se tornado quase um co-piloto deste blog, sugeriu um texto fascinante registrado por Marilena Chauí no artigo “Modernização versus Democracia”, no seu livro Escritos sobre a Universidade. Trata-se de um fragmento de um ensaio de William Hazlitt denominado (traduzido) “A propósito das alcunhas”.

Tenho a certeza de que será muito útil para um sem número de editores de blogs acostumados a mobilizar apenas alcunhas para combater aqueles que se opõem as suas tolas idéias. Transcrevemos o texto, portanto perdoem qualquer eventual erro. A propósito, os grifos são meus.

O asssunto é mais importante do que a primeira vista parece. E é tão sério nos seus resultados, como desprezível nos processos de que se serve para atingi-los. Na maioria dos casos, são as alcunhas que governam o mundo. A história da política, da religião, da literatura, da moralidade e da vida particular de cada um, é quase sempre menos importante que a história das alcunhas (…) as fogueiras de Smithfield eram atiçadas com alcunhas, e uma alcunha selava os portões do cárcere da Santa Inquisição. As alcunhas são os talimãs e os feitiços coligidos e acionados pela parcela combustível das paixões e dos preconceitos humanos, os quais até agora jogaram com tanta sorte a partida e realizaram seu trabalho com trabalho com mais eficiência que a razão e ainda não parecem fatigados da tarefa que tem tido a seu cargo. As alcunhas são as ferramentas necessárias e portáveis com as quais se pode simplificar o processo de causar dano a alguém, realizando o trabalho no menor prazo e com o menor número de embaraços possíveis. Essas palavras ignominiosas, vis, desprovidas de significado real, irritantes e envenenadas, são os sinais convencionais com que se etiquetam, se marcam, se classificam, os vários comportamentos da sociedade para regalo de uns e animadiversão de outros. As alcunhas são concebidas para serem usadas já prontas, como frases feitas; de todas as espécie de todos os tamanhos, no atacado ou no varejo, para exportação ou para consumo interno em todas as ocasiões da vida (…) o que há de curioso nesse assunto é que, frequentemente, uma alcunha é sempre um termo de comparação ou relação, isto é, que tem o seu antônimo, embora alcunha e antônimo possam ser ambos possam ser ambos ridículos e insignificantes (…) A unidade dessa figura do discurso é a seguinte: determinar uma opinião forte, sem ter necessidade de qualquer prova. É uma maneira rápida e resumida de chegar a uma conclusão, sem necessidade de vos incomodardes ou de incomodardes alguém com as formalidades do raciocínios ou os ditames do senso comum. Alcunha sobrepõe a todas as evidências, porque não se aplica a toda gente, e a máxima força e a certeza com que atua e se fixa sobre alguém é inversamente proporcional ao número de probabilidades que tem de fixar-se sobre esse alguém. A fé não passa de impressão vaga; é a malícia e extravagância da acusação que assumem a característica da prova do crime … a alcunha outorga carta branca à imaginação, solta as rédeas à paixão e inibe o uso da razão, conjuntamente. Não se atarda, cerimoniosamente, a diferenciar o que é justo do que é errôneo. Não perde tempo com lentos desenvolvimentos de raciocínio, nem se demora a desmanchar os artifícios da sofística, admite seja o que for, desde que sirva de alimento ao mau humor. É instantânea na maneira de agir. Não há nada que possa interpôr-se entre a alcunha e seu efeito. É acusação apaixonada, sem prova, e ação destituída de pensamento …

Uma alcunha é uma força de que se dispõe quase sempre para fazer o mal. Veste-se com todos os terrores da abstração incerta e o abuso ao qual se encontra exposta não é limitado senão pela astúcia daqueles que as inventam, ou pela boa fé a quem inferiorizam. Trata-se de um recurso da ignorância, da estreiteza de espírito, da intolerância das mentes fracas e vulgares, que aflora quando a razão fracassa e que está sempre a postos para ser aplicado no momento oportuno com o mais absurdo dos intuitos. Quando acusais especificamente uma pessoa, habitais, dessa maneira, a referida pessoa a defrontar vossas acusações e a repeli-las, se o acusado julgar que vale a pena perder seu tempo com isso; mas uma alcunha frusta todas as réplicas, pelo que há de extremamente vago no que dela se pode inferir, e imprime crescente intensidade às confusas, obscuras, imperfeitas noções pejorativas em conexão com ela, pelo fato de carecer de qualquer base sólida, a qual se fundamente … Uma alcunha traz consigo o peso da soberba, da indolência, da covardia, da ignorância e tudo quanto há de ruim na natureza humana. Uma alcunha atua por simpatia mecânica sobre os nervos da sociedade, pela simples aplicação de uma alcunha, uma pessoa sem dignidade sobre a reputação de qualquer outro, como se não molestando sujar os dedos, devêssemos sempre atirar lama sobre os outros. Haja o que houver de injusto na imputação, ela persistirá; porque embora para o público seja uma distração ver-vos difamados, ninguém ficará a espera de que vos limpeis das manchas que sobre vós foram lançadas. Ninguém escutará vossa defesa. Ela não produz efeito, não conta, não excita qualquer sensação, ou é sentida apenas como uma decepção a pertubar o triunfo obtido sobre vós.

Citação do ensaio “A propósito das alcunhas”, de William Hazlitt, presente no livro de Marilena Chauí, Escritos sobre a Universidade, no artigo “Modernização versus Democracia”.

É sem dúvida um texto brilhante, de um autor que merece ser lido com atenção. Servirá como um dos algoritmos que pretendo instituir para lidar com um certa classe de pessoas que habitam a internet.

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