Gestos, intenções e política

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Gerou alguma discussão os comentários sobre um post de Marcus Pessoa, em seu blog O velho do farol, e por essa razão resolvi esclarecer alguns pontos acerca do que está em jogo no debate.

A discussão centrava-se na análise do gesto do assessor Marco Aurélio Garcia e, obviamente, algumas pessoas tentavam dar a sua indignação alguma positividade através da qual poderiam fundar uma crítica política. Atitude claramente vã, dada a fluidez de qualquer interpretação que se projete no terreno das intenções, pretendendo uma posição tão definitiva quanto o diagnóstico de um médico que, em presença de sintomas como febre e cansaço, prescreve remédios para um resfriado. Em algum momento sugeriu-se que o gesto denunciava uma indiferença ao sofrimento das famílias dos mortos, disso se seguiu minha afirmação de que revela-se mais das intenções de quem faz tal ilação do que poderíamos extrair do simples exame de um gesto. Não estamos credenciados a atribuir uma intenção pela simples observação de um gesto, mas podemos sempre interpretar da maneira a torná-lo conveniente aos nossos interesses. Assim, a pretensão de ver numa atitude inadequada uma intenção ou um sentimento determinado revela mais das nossas próprias intenções do que o inverso. A indiferença imputada acaba retornando ao acusador, foi o que eu alertei a Homero, afirmando que ele, por fim, é quem demonstrava indiferença.

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Mas não é essa a questão que me motivou a escrever. O que me incomodou foi a pretensão de encontrar apoio para manipulação política do acidente nas atitudes (e intenções) historicamente imputadas ao PT (ao governo). Há uma falácia expressa nessa pretensão, a saber, a de que circunstâncias e posições anteriores depõe contra qualquer mudança de postura — como se uma adolescência consagrada a mentiras pudesse impedir que um adulto dissesse a verdade.

Ainda que possamos admitir a verdade dessa afirmação e ignorar seu caráter polêmico, ou seja, que estejamos dispostos a aceitar que o PT politizou cadáveres em episódios passados, nem por isso devemos permitir que o mesmo se faça na atualidade, exatamente porque esta questão transcende a dimensão política. Em se considerando óbvia a impertinência da capitalização política de tragédias, diremos o seguinte: se alguém que no passado criticou as posturas do PT, agora, repete sua conduta, devemos, pois, concluir que aquela refutação inicial era apenas conveniente e que mascarado na defesa da moralidade e humanidade escondia-se apenas o interesse mesquinho de não ser alvo político.

O PT ou qualquer outro partido não tem o direito de manipular a vida (ou a morte) alheia em favor do acúmulo de capital político. Devemos conhecer as circunstâncias em que semelhantes atitudes se efetuaram e censurar com isonomia seus agentes. Se o mesmo foi feito no passado, que a História testemunhe contra o PT. O que não se pode fazer é, a pretexto de conveniências políticas, legitimar em plena vigência do Estado de Direito brasileiro uma forma símile à lei do talião. Nessa altura dos acontecimento, não dá pra brincar de “olho por olho, dente por dente”. Sobretudo quando alguém diz que, desde os tempos em que o PT era oposição, sabia que politizar cadáveres era errado. Era errado ou apenas inconveniente?

Espero que todo esse debate inútil se conventa em algo mais proveitoso. E que estejamos atentos para as reais premências e demandas que devem ser observadas pelo governo, a fim de evitar desastres semelhantes, mesmo que ainda não possamos atribuir culpa, para desespero dos oposicionistas, ao governo. Aliás, esse é outro caso, a pressa com que alguns se adiantam em imputar culpa ao governo, sem mesmo ter esclarecida a razão do acidente. Mas sobre este ponto eu mesmo já escrevi, Alon e o próprio Marcus Pessoa também o fizeram e, portanto, já há literatura consolidada a esse respeito. Entretanto, não há de se sentir impelido pela força dos nossos argumentos quem, mediante o poder da tragédia em questão, não viu obstáculos em tratar tanto dor tão somente como instrumento de meadas políticas.

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