Promessas da cidade: Madrid

Em 2013, poucos dias depois de haver chegado em Madrid, vi uma imagem que ficou na minha cabeça: uma senhora sentada em sua cadeira motorizada, lendo um livro na rua, embaixo da marquise de um prédio na Calle Luchana. Essa imagem mostra de modo claro a importância da rua para os espanhóis e particularmente para os madrilenhos. Por isso a pandemia foi um tremendo choque para a sociedade espanhola, porque além do macabro e do letal da enfermidade, a livre circulação de pessoas foi impedida, e impediram-se os encontros. A sociedade espanhola, em sua pluralidade, é uma sociedade voltada aos encontros, e manifesta o seu melhor no esforço contínuo para tentar urdir uma trama simbólica e cultural que enlace os seres humanos e que faça com que nossas dores e medos sejam elementos que nos conectem. É fundamental que uma sociedade saiba estimular a sociabilidade, não de modo artificial e mecânico, mas de modo passional. Nada além da paixão pode gerar a necessidade que esperamos das normas (e no final das contas, das instituições).

Botellón na praça Dos de mayo

A pandemia impediu abraços e mesmo simples toques de mão se transformaram em possibilidades ameaçadoras, ensombrecidas pela perspectiva da contaminação. Talvez os espanhóis não sejam tão ligados ao toque quanto podem ser os brasileiros, mas a falta do contato também se faz sentir. E de todas as manifestações sociais que testemunham essa orientação aos encontros, nenhuma é mais emblemática que o botellón. O botellón é um encontro entre pessoas, geralmente jovens, que se reúnem em espaços públicos para beber e conversar. Eles se sentam nos bancos, no chão, onde for possível. O botellón é estigmatizado porque é barulhento, invariavelmente sujo, não consome nos bares locais (vive basicamente da informalidade de vendedores ambulantes), ele incomoda de muitas formas. Eu acrescentaria às críticas a queixa de que como fenômeno social ele é efêmero. No entanto, minha crítica talvez seja excessivamente materialista, preocupada em produzir efeitos identificáveis que nos levem ao “progresso”, ou seja, preocupada com o caráter político que supostamente deveria subsistir na base de todo encontro social. Alguma coisa fica dos encontros humanos? Algo que dura mais que o efêmero e superficial que neles se manifestam? É certo que não podemos controlar este resíduo (se é que ele existe) como quem controla uma relação de causa e efeito, como quem ajusta a dose de morfina de um paciente que sofre com dores terríveis — mas isso não é tão ruim quanto parece. A sociabilidade concebida como uma engenharia não enche meus olhos, muito pelo contrário. Assim, essas reuniões improvisadas, ainda que não contribuam objetivamente para nada que possamos identificar, são manifestações de um certo impulso hacia los Otros que me parece profundamente enternecedor. Não quero desfilar minhas críticas aos botellones, quero vê-los apenas como expressão do impulso culturalmente estabelecido e naturalmente internalizado de estar junto aos outros, de sentir-se bem e à vontade ao lado de seres humanos desconhecidos.

Registro meu da praça Dos de Mayo em abril de 2019.

Boa parte dos grandes pensadores, se não têm eles mesmos uma teoria da civilização, pelo menos já escreveram sobre sociabilidade e insociabilidade, sobre os impulsos opostos que atraem ou repelem os seres humanos uns aos outros. As promessas da cidade são em si mesmas um tipo de resposta ao desafio da sociabilidade, e parte de sua tecnologia, pois no extenso ambiente urbano a impessoalidade torna o trato mais agradável entre pessoas que não são mais que meros passageiros em relação aos outros. É mais fácil tolerar pessoas com quem não somos obrigados a conviver, que não conhecem nossas vidas e cujas vidas não conhecemos. Por contraste, numa cidade pequena, onde todos se conhecem, perdemos o anonimato das grandes cidades, pois todas as vidas ali parecem escrutinadas por um olhar público a um só tempo injusto e atento (a fofoca como uso do julgamento, certamente deve existir uma sociologia da fofoca). O rock star é um paradigma (um arquétipo, para usar uma categoria junguiana) daquilo que muitos buscam ser, talvez o modelo mais aspirado nas grandes cidades, pois há aí um desejo forte e comum que torna verdadeira a profecia de Andy Warhol sobre os 15 minutos de fama. E ainda assim, grande parte da contribuição das cidades (das cidades entendidas como tecnologia do social) consiste precisamente na abertura à possibilidade do anonimato e da impessoalidade, na falta de um olhar alheio atento, no passar despercebido, na liberdade de poder ser autêntico, livre. É na impessoalidade da cidade que o estranho pode se desenvolver, que os gozos diferentes sentem-se livres para gozar e que a singularidade pode encontrar espaço para medrar. O anonimato da cidade atenua o peso da constatação desconcertante que Sartre registra em Entre quatro paredes: “O inferno são os outros”. 

Após a pandemia a prefeitura de Madrid lançou uma campanha contra os botellones.


Meu temor, eu já disse, é que o botellón não seja mais que uma efemeridade, um evento que tem lugar e deixa de existir sem deixar rastros, como se nunca tivesse acontecido. Já minha esperança, meu delírio e minha ingenuidade é que o botellón como manifestação circunstancial e difusa do social seja uma das tantas oportunidades indeterminadas de construir, nas cidades modernas e globalizadas, um novo olhar, atento e justo. Um olhar que rompa a impessoalidade do urbano, essa distância que parece condição necessária da convivencialidade, e se aproxime do outro novamente não com o olhar injusto do fofoqueiro caricato das zonas rurais, mas que traga consigo a perspectiva marcada pelo entendimento da variabilidade e do significado global da espécie humana. Nesse mundo dos sonhos que me inspira a tecnologia das cidades, o olhar e o juízo humano acolhem sem se projetar no teatro publicitário (sem estar no teatro da filantropia, para lembrar de Thoreau) e entendem o diferente porque deixam que esse contato com o outro nos transforme, transforme as lentes com as quais vemos o mundo. É nas cidades, na proximidade impessoal das relações urbanas, onde tudo pode ser reconstruído.


É curioso constatar um interesse de estar próximo aos outros que não é precisamente um interesse por alguém em particular, mas um impulso inconsciente e culturalmente estabelecido de estar reunido. É nesse sentido que a cidade, cuja impessoalidade talvez seja o maior atrativo, pode resgatar ou fortalecer laços sociais esgarçados pelo imperativo do egoísmo e da competição.

Mesmo que eu já tenha morado numa cidade pequena no interior da Bahia, a primeira vez que me dei conta dos efeitos da impessoalidade dos grandes centros urbanos foi quando viajamos para um pueblo do interior da Espanha e eu então notei que aí as pessoas pareciam conhecer umas às outras. Pensei: “qual é o efeito para a sociabilidade desse conhecimento mútuo? quais são os efeitos éticos e políticos desse estar a par da vida dos outros?”

A presença humana

Júpiter, uma linda e tormentosa bola de gás.

Somos mais de 7 bilhões de seres humanos no planeta e vivemos quase todos numa economia globalizada cujo equilíbrio depende de fatores distantes não apenas do nosso olhar — da mesa ou da cadeira onde comemos nossas refeições —, mas também de nossos focos de atenção. Nós afetamos o planeta de um modo inédito. <fiction> Se um extraterrestre passasse pela Terra e do o espaço a contemplasse por mais de 500 anos, ele observaria uma mudança tão radical e violenta quanto as revoluções causadas na superfície de Júpiter pelas incontáveis tormentas que o constituem. Seres com outra relação com o tempo veriam nosso impacto como num time-lapse.

An animation showing deforestation in the Amazon
Time-lapse: histórico do desmatamento em Rondônia registrado no EarthTime. É como se fossemos uma doença de pele, é vergonhoso

Os extraterrestres talvez nem se dessem conta de que as mudanças são causadas por indivíduos, eles podem não fazer essa distinção. Embora tenhamos ferramentas de individualização, nem por isso pensamos os fenômenos gasosos em termos individuais, é a dinâmica de interação desses indivíduos (átomos, moléculas, invente seu sistema de individualização) o que nos interessa e o que provoca os efeitos com os quais estamos preocupados. (Podemos decompô-los em partes individuais ainda menores até chegar às partes subatômicas [menores unidades e objetos de individualização], então o sonho de determinação estará ainda mais longe e só a estatística poderá nos ajudar). Mas nós, ao contrário, somos muito individuais e tudo parece dizer respeito a nossa individualidade, nunca ao pertencimento a uma rede mais ampla </fiction>.

Não somos gases numa dinâmica de expansão, somos seres vivos, interferindo, agindo sobre o planeta. Agindo sobre ele. Agindo sobre o planeta. Interrompendo processos, manipulando cadeias causais, nem o mundo subatômico está livre do escrutínio e da intervenção humanas. A presença humana afeta todos os níveis e atua em todos os sistemas físicos. Não é preciso ser gênio para imaginar que não temos em conta o efeito sobre muitos dos sistemas que influenciamos. Por exemplo, não se sabe ao certo a concentração de biomassa formada pelos seres que vivem na zona crepuscular, nos oceanos. Qual é o impacto da acidificação dos oceanos, ou da presença nociva do plástico nesses sistemas? E qual é o impacto desse sistema no nosso próprio, que parecemos presumir que está separado dos outros sistemas naturais*? Nós sabemos o impacto da vida das abelhas em nossa própria vida — dos insetos em geral.

Twilight Zone: las amenazas de la última frontera de la humanidad en la Tierra

Ação e reação, que fique claro! Não é vingança (intencionalidade), é a mera reação de sistemas muito mais complexos que nossa capacidade de produzir sentido. Competência sem compreensão, diria Daniel Dennett. Competência para nos destruir, para destruir o anseio de previsibilidade que está por trás da busca por instituições, do Direito, e de todas as inúmeras partes que compõem o que poderíamos chamar de tecnologias da estabilidade (Tecnosfera).

A ficção científica apresenta diferentes modos de conceber nossa relação com o planeta. E para conceber melhor essa relação precisamos abandoná-lo e nos mover entre as estrelas, entre as galáxias. Wall-E talvez seja o filme que eu mais gosto nesse gênero, por ser o mais, digamos, realista. Seres humanos brancos e sedentários vivem num ambiente que em tudo se assemelha a um shopping center, nada pode ser mais honesto com as ilusões da nossa civilização. Ou um shopping center ou um daqueles cruzeiros sobre os quais David Foster Wallace escreveu. Um filme honesto e ainda assim gentil.

Recentemente eu gostei muito de High Life, que fala sobre a humanidade em ambientes espaciais, numa nave que viaja sem rumo pelo espaço. Fala também da esperança nos seres que virão e da nossa relação com o meio natural através das plantas, do solo, da terra. The Martian trata o tema das plantas sob a perspectiva utilitarista e pragmática dos engenheiros (lembro da Maria da Conceição Tavares falando sobre os EUA: um país de engenheiros). Repete em novas cores um episódio da tara survivalist da cultura americana, do seu sofisticado (porque científico) meio de elogiar o trabalho e a indústria (or you can get to work!). Isso de que There will be blood trata em primeiro plano. Não me levem a mal, o filme é bom. E boa parte do seu charme consiste numa generosa, embora secundária, mão de verniz de psicologia, vem do cuidado em mostrar os efeitos provocados pela falta do convívio humano, a importância da saúde mental para a atividade eficiente do corpo (da música, nesse contexto, como forma de memória e pertencimento). São tantos os filmes que apresentam ambientes espaciais e eu o menos indicado para resgatá-los.

Mas perguntemos aos astronautas quais os efeitos do espaço em seus corpos e mentes. Perguntemos àqueles que efetivamente já estiveram no espaço sobre o cheiro do espaço, sobre o que lhes parece aquele ambiente. Há um documento de uma página no site da NASA sobre atrofia muscular. E uma infinidade de outras informações. A nossa relação com o espaço (e com a Terra) na ficção científica está num grau de paridade realística semelhante à representação do mar na Tenda do Biquini, de Bob Esponja. Nunca nos ocorre pensar não apenas nos efeitos sobre o corpo — efeitos quase imediatos, pois depois de meros 11 dias no espaço os astronautas perdem até 20% de massa muscular — mas, sobretudo, nas consequências na nossa descendência. Os efeitos evolutivos.

A pressão evolutiva implicada numa mudança tão radical nos degeneraria num período irrisório de uma ou duas gerações, quando muito. Considerando apenas o distanciamento do sol, o perder nosso lugar na praia, já serie suficiente para provocar efeitos colossais. O impacto ósseo da falta de vitamina D, sintetizada principalmente pela exposição aos raios solares, nos tornaria criaturas de vidro, sem tônus muscular nem rigidez óssea. Não há substitutos para tudo que a Terra nos provê.

A exuberância da Terra é algo singular, não importa para onde nosso olhar se dirija — e nosso olhar é capaz de se estender muito longe, no espaço e no tempo — nada se compara, não encontramos nenhum lugar nem minimamente parecido. E ainda assim, a alienação da vida urbana nos acostuma ao pensamento de que somos independentes, e poderíamos fabricar nosso próprio ambiente, nossa própria biosfera.

Não há trailers legendados para o documentário Spaceship Earth, sobre a tentativa de criar uma biosfera artificial.

Todos os mimos, confortos e distrações da vida urbana excluem do nosso feixe de considerações o pertencimento à rede de vida do planeta, e nos enchem de uma arrogância cega e doentia, e de uma indolência diante dos efeitos nocivos da nossa presença. O fascínio dogmático pela complexidade.

A ecologia é o campo de estudo, teórico e transdisciplinar, que se impõe como um eixo inevitável para todos os que vivem e pesquisam hoje. No entanto, a ecologia não é nada mais do que um modo ainda canhestro e incipiente da ciência abordar uma questão ética mais profunda (a chave aqui é a oposição entre teoria e prática, determinação normativa e agência), a saber, como agir e como se organizar politicamente diante da inevitável constatação de que somos parte de um grande organismo. Nós até hoje — 2021, que fique claro —, não construímos nada que manifestasse que nos interessa de fato viver como se fossemos parte desse planeta. Agimos como se fossemos melhores, e como se o resto (seres e coisas indistintamente) estivesse a nosso serviço. As joias da nossa civilização, as cidades, não tem senão uma relação decorativa com a natureza. Por mais bonitos que sejam os parques urbanos — e eu sou um dos seus admiradores —, eles são apenas simulacros da natureza, não a integram como parte essencial, por melhor que seja o projeto urbano da cidade. (Quem desejaria outra coisa, aliás? A cidade é feita para não ser natureza, nela nós não queremos nem mesmo pisar na merda de outros seres.) O Rio de Janeiro deve ser lindo, sem dúvida!, mas é um caso especial. (O Rio de Janeiro está para as cidades como a Terra está para todos os outros planetas do universo). A cidade é asséptica, mesmo quando é imunda (Louis CK falando da imundice das ruas de Nova York). A cidade é cultura, a natureza ali é decoração e simulacro (não apenas os zoológicos). Ela tem seu próprio lixo, seu lixo não é mera decomposição, matéria morta ou queimada. Seu lixo é químico, poluente, mortal, mortífero.

Parques: simulacros da natureza. O belíssimo Parque do Retiro, em Madrid.

Não somos independentes dos outros seres sacrificados para manter e melhorar nossa forma de vida; estamos ligados à água que não vemos, ao ambiente em que circulamos como se ele não existisse. A ecologia como campo de estudo é sumamente importante e interessante, mas é a ecologia como ética é o que me interessa. Mas dá pra falar da ecologia como saber sem falar da ecologia como ética? Claro que dá, é o que temos feito até agora. Mesmo a ética nós ensinamos como técnica, não como ética [normatividade das leis morais versus prudência, a pragmática e a ética aristotélica]. É o que nos resta porque, no final das contas, não dá pra ensinar ética [não se pode ensinar a julgar: Aristóteles e Wittgenstein]. Daí a normatividade ganhou uma força enorme, e parece que não sobrou nada além disso (a filosofia moderna colocou a lógica e a matemática num pedestal e sedimentou o caminho para ciência contemporânea). Parece que tudo são leis (normas) e dados. Se para falar em ecologia precisamos então falar de ética, nós estamos realmente fodidos! Mas como transformar nossa relação com o mundo de modo que não sejamos meros (controladores && manipuladores) do mundo, mas também parte dele? Quero dizer, como fazer isso sem uma ética, sem valores que pareçam dirigir a ação (mas que são a própria ação) e o pensamento? Como transformar nossa relação com o planeta sem a reflexão implicada em pensar a ação e o pensamento? É claro que essa ética precisa do conhecimento, Aristóteles jamais negou o papel do conhecimento, mas o saber agir não se reduz a um saber. É um saber de outra ordem, ou um saber que não se sabe, mas que se manifesta no agir.

O efeito da nossa presença no planeta concerne a todos, não apenas porque não temos para onde fugir, mas também porque, dado tudo que conhecemos do universo, é sandice desejar algo diferente da exuberância à qual pertencemos na Terra. É nas cidades onde nasce e viceja esse sentimento antiecológico, esse independentismo biológico que alimenta o sonho de ser capaz de criar nossa própria biosfera. É na cidade onde a presença humana precisa ser reinventada como parte da natureza, é aí onde começa a questão ética, na polis.

* Porque pertencemos à Cultura (Kultur, isso que é diferente da natureza), uma cultura capaz de considerar a possibilidade de criar sua própria biosfera. A arrogância humana frente à Natureza.


Mapa contra o capitalismo

Criei esse mapa para apresentar uma objeção ao capitalismo de modo esquemático e até deliberadamente arbitrário. O mapa tem relação com essa discussão sobre nossa presença, sobre a ética da coexistência com o tecido da vida e sobre a nossa reintegração ao mundo.

Mapa contra o capitalismo. Torneiras e instrumentos, voltando ao mundo. O urbano como antiecológico: capitalismo e serviços. Conforto e comodidade. O paraíso urbano (subjetividade e hedonismo)! Impessoalidade e privacidade, como conviver com os outros. Falar com estranhos, ser estranho.

O poder do dinheiro e o cinismo da política

De acordo com nota divulgada pela prefeitura, a operação, denominada Ordem na Casa, teve como objetivos “garantir a segurança, combater o tráfico de drogas, oferecer auxílio a viciados, remanejar famílias vivendo em situação de risco social para outras áreas, fazer a limpeza e capinação de todo o terreno, além de retirar construções irregulares e que corriam o risco de desabamento”.

Olhe a paisagem acima, leia a justificativa oferecida pela prefeitura para a desocupação ocorrida na manhã na madrugada de hoje na Ladeira da Preguiça e me responda com honestidade: você acredita no que eles estão dizendo? será que no quadro de prioridades a valorisadíssima região da Contorno deveria ser alvo preferencial, quer pelo risco aos moradores, quer pelo criminalidade ligada ao tráfico?

O cinismo mal disfarçado da prefeitura se justifica na crença (bem fundamentada, creio) de que ninguém se oporá às suas ações e de que delas nada resultará. Assim, a cidade de Salvador segue entregue aos interesses do setor imobiliário, enquanto o interesse público é preterido e, quando muito, usado como escudo para disfarçar ações de interesses privados. E quem sofre com isso, como sempre, são os mais pobres, que não tem como se defender das ações dos mais poderosos, que no Brasil tem como prepostos quase sempre os próprios agentes públicos.

Em qualquer cidade brasileira ações como essas ocorrem regularmente, mas em Salvador, onde o silêncio surpreendente da população tem andado de mãos dadas com a notória decadência de uma cidade que já teve tantos atrativos, é especialmente dorolosa a apatia com as pessoas vem tudo acontecer.

Mais do que nunca, é preciso dar mais força ao Movimento Desocupa, um dos poucos movimentos civis (senão o único) que tem se empenhado em combater e denunciar certos vícios invisíveis da administração municipal, e discutir propostas para a cidade.

PS. A prefeitura ainda deu uma limpada em toda área, que é pra diminuir os custos das obras que virão, e assim facilitar a vida das pobres empreiteiras. Notem também que, apesar do pretexto mobilizado como justificativa, “a assessoria da Semps, porém, não soube informar o número exato de pessoas transferidas, nem para quais Cras foram levadas, nem quantas casas foram destruídas”.

Atualização: Franciel me avisa pelo Twitter que a operação aconteceu de madrugada e que há outro grupo (felizmente) discutindo a cidade: A cidade também é nossa!