Eine schöne Frau ist meistens dumm¹.
Na aula de alemão, inquirido sobre a veracidade dessa frase, endossei-a para desgosto das minhas colegas e professora. Taxaram-me polêmico — e talvez eu o seja. É verdade que sempre cri na caráter didático das polêmicas e nesse caso não é diferente. Em que outra circunstância encontraria azo para lidar com um assunto tão desinteressante quanto o estatuto de generalizações?
Considerem hipoteticamente a classe das mulheres, ela perfaz cerca de 3 bilhões de componentes. Com alguma generosidade, imaginemos que 1/3 desse montante constitui a parte de mulheres bonitas. Um bilhão delas. Ora, o significado de uma generalização semelhante deve contar com lastro desse número astronômico? As generalizações devem, portanto, restringir-se as pequenas classes, mensuráveis ou computáveis? Há ainda uma série de outras dúvidas; sentimos avizinhar um sentimento de estranheza a medida que as reunimos, como se de repente os usos mais corriqueiros da linguagem perdessem o sentido. O que dizer então das classes amealhadas sob o conceito de burra — ou mesmo bonita? Subjetivos demais para serem tratadas de modo significativo, dirão os mesmos críticos!
Uma generalização é um procedimento pelo qual transitamos de casos observados para os não observados. Passamos de casos à regra. Na ciência o rigor exigido é relativo a segurança imprescindível ao cálculo, às operações que importam em previsões e funções de outros procedimentos ainda mais complexos. Nesse domínio busca-se limitar ao mínimo o campo das possibilidades, com o intuito de poder operar com ferramentas fixas, precisas. Na linguagem cotidiana, porém, se nos fosse exigido o mesmo rigor sucumbiríamos a sua complexidade. Seria exigido que dominássemos conjuntos e classes inatingíveis, de mensuração inexequível. Ao expressar generalizações mobilizamos localidades, regiões, ainda que a formulação pretenda abrigar o terreno do absoluto, a integridade da classe do objeto considerado — no caso em pauta, a classe das mulheres bonitas; temos em vista propósitos práticos, que se desfazem e podem ser (e são) revistos a todo instante.
Com efeito, nem toda generalização é útil. Uma série delas constitui o que chamamos preconceitos. Inaceitável no preconceito não é o procedimento no qual se ampara — as generalizações são indispensáveis à vida, à organização das nossas experiências — mas o estatuto que ele pretende. O sentido de um preconceito reside na necessidade de que os procedimentos linguísticos que os produzem sejam não apenas ferramentas que dispomos para lidar com a vida, mas produtos derivados da realidade, cujo fundamento (e condição de sentido) encontra-se na correspondência entre o mundo e aquilo que dizem. Vejam, por exemplo quão sutil é a diferença entre uma piada e um preconceito — admitindo o caráter controverso dessa comparação. Piadas de portugueses, baianos, judeus, negros, comunistas, nenhuma delas precisa necessariamente que seja verdadeiro o vínculo entre os predicados que lhes são atribuídos e as classes as quais se referem. O pre-conceito, ao inverso. De saída, ele atribui (e exige a legitimidade da atribuição) a uma classe os predicados que considera serem inerentes a ela. Torna assim inflexível a experiência de lidar com os grupos que visa, determina inexoravelmente os padrões de comportamentos de modo a quase sempre destinar ao alvos de suas considerações condutas hostis. No poder de um Estado, condiciona políticas totalitárias, de perseguição àqueles que se enquadram nos grupos que hostiliza (e.g. o Estado nazista).
O preconceituosos e os que não entendem o sentido das generalizações incorrem no mesmo erro: crêem que elas dizem o mundo, que se sobrepõem, moldando-se por ele e dando contorno e sentido as formas de sua expressão. É evidente que o uso de tais recursos deve obedecer políticas e convenções das regiões nas quais estão inseridas e que o caráter positivo ou negativo de seus enunciados é igualmente reflexível. Porém, refutá-las com antecedência, como fizeram sem dolo minhas colegas, ou adotá-los de modo inflexível, como fazem com dolo os preconceituosos, são modos de não compreender as suas aplicações.
Afinal, quem nunca conheceu uma mulher que, com razão, inferiu que todo homem não presta?
¹ Uma mulher bonita é na maioria das vezes burra.