Primeiro, não considero nenhuma espécie de injustiça que os mais esforçados ganhem o mesmo que os relapsos. Há algo de incômodo sim, mas nada que exija correção indispensável. As diferenças existem em qualquer ambiente de trabalho, a depender das circunstâncias, elas importam em mais oportunidades (e até ascensão) para os que se esforçam, e estagnação para os indolentes. A dedicação que se origina espontaneamente é índice de compromisso e ela surge com naturalidade em grande parte das circunstâncias. Nem todo trabalho é medido por produtividade, isto porém não impede que se reconheçam os mais dedicados e que seus esforços sejam de alguma forma contemplados. Então chegamos a minha segunda ressalva: Educação medida por produtividade? O que pode ser aferido em termos de números? aprovação, reprovação, notas. Repito, a avaliação global só acontece mediante abstração das particularidades do indivíduo. Portanto, dois perigos se insinuam, primeiro, o de que a medida resulte numa educação mecânica, orientada exclusivamente pelo propósito de atingir padrões satisfatórios de desempenho e, uma vez atingidos, que estes padrões escamoteiem a precariedade da educação como ferramenta para sedimentação de valores e compromisso humanos, éticos e políticos. Um projeto pedagógico, segundo meu juízo, consiste em muito mais do que meramente definir estratégias para aprovação, ele corresponde ao esforço coordenado para fazer dos indivíduos sob a tutela do educador parte ativa e atuante de uma sociedade, emancipada e inserida em seu contexto histórico. O segundo perigo diz respeito ao possível surgimento de um indústria da Educação e de número educacionais. Sem nem mesmo preparar mecanicamente os alunos, os padrões de avaliação começam a cair gradativamente, visando apenas melhorar a aparência dos números apresentados. Sabemos que essa não é uma possibilidade estapafúrdia, fiscalização nunca foi o forte das autoridades públicas brasileiras. Estimulados pelos ganhos adicionais, os professores antes descompromissados — que eventualmente o sejam por algum vício de caráter –, podem achar por bem flexibilizar seus padrões a fim de gozar dos benefícios da medida.
Chegamos então a outro ponto importante: a educação pode ser seguramente avaliada segundo o desempenho dos alunos? Este pode ser o critério exclusivo? Quer dizer, o bom ou o mau resultam de bons e maus professores? Esse é um ponto pacífico para a medida. Bom professor obtém bons desempenhos. Mas talvez nós não tenhamos preparado adequadamente os alunos que não apresentam bons desempenhos, essa não parece ser uma opção mais sensata e condizente com nossa realidade? Os professores que não atingem indíces satisfatórios de desempenho, nesse contexto, são apenas pessoas que insistem em exigir níveis de conhecimento impróprios para alunos ainda despreparados. Essa não parece uma opção mais razoável para explicar o mau desempenho dos alunos? Não quero defender a tese controversa e improvável de que todo professor que não alcança índices de aprovação e desempenho razoáveis se enquadre nessa imagem, mas apenas indicar que a medida representa ingenuamente a figura do aluno e do professor, enfim, do próprio sistema de educação. Não se pode corrigir um sistema que para muitos — e me incluo nessa classe — está falido, estimulando financeiramente, em regime de produtividade, os agentes envolvidos na educação.
A educação se resolve com medidas bem sabidas: investimento em infraestrutura (novas regras já em vigor, hein!), preparação dos funcionários envolvidos no processo, cuidado na seleção da equipe (professores, funcionários, diretores), remuneração adequada e digna para os professores. É feijão com arroz, começo de conversa. A inovação vem depois, com projetos pedagógicos, novos modelos de sistemas de educação, e até, quem sabe, remuneração por produtividade. No estado de coisas em que hoje nos encontramos, o bônus oferecido aos professores se afigura não como um gesto ousado, mas como uma forma inédita do mesmo: a tentativa de corrigir um problema estrutural que exige uma reforma custosa e profunda a ser discutida pela sociedade, através de medidas burocráticas. Infelizmente, as propostas para educação pública no país parecem não encarar de frente nossa realidade: um sistema estruturalmente caótico que remunera mal seus funcionários e que, por consequência, é incapaz de preparar os alunos para as etapas do processo de formação profissional (vestibular), bem como para as relações intersubjetivas mantidas ao longo de toda vida, por falha na formação para a vida civil.
E a educação doméstica, como iremos corrigi-la? Talvez sugerindo prêmios para os pais que conseguirem manter os filhos longe das drogas até os 18 anos. Por fim, devo dizer que a medida não é de todo ruim. Ela pode não necessariamente produzir tudo que eu mencionei. Mas mesmo que ela não se extravie, inevitavelmente encobrirá sob os padrões objetivos de avaliação aspectos que exigem um olhar mais apurado — que ficarão à sombra dos números positivos. Aspectos indispensáveis, incomensuráveis, que são o substrato da boa educação e que só podem ser identificados pelo olhar atento de professores que buscam não só o bom desempenho e que enxergam além dele. (Lembremos que Daniel Dantas foi um aluno notável).