O coração continua

O

Amigos, perdoem se o blog está às moscas. O carnaval paralisa tudo, espreme, dos dois lados, as bordas do calendário e imprime em tudo antes a urgência. Fiquei sem tempo. E durante, vocês sabem, ninguém faz nada e não posso quebrar a liturgia carnavalesca.

Mas estava aqui numa noite reflexiva, após conversas com amigos, e então lembrei um poema de Drummond. Decidido a publicá-lo, descobri que já havia feito. A vida se repete. Incrível a capacidade que os poetas têm de roteirizar a vida do sujeito. A complexidade da existência reduzida a uma ou duas fórmulas que na simplicidade cifram tudo quanto é essencial. Talvez por uma razão já antecipada numa crônica de Vinicius de Moraes em que ele descreve um casal de jovens atracados, aos carinhos, em pleno parque:

São, na extrema juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que por ali espapaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem dariam para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam.

Eu tenho quase certeza de que já fiz referência aqui à crônica de Vinicius. Amor por entre o verde, parte de Para viver um grande amor, livro que sempre tive na cabeceira, desde moleque. A vida se repete — então vocês vão me perdoar se eu repetir um poema que sempre fez muito sentido para mim, hoje especialmente.

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.

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