Não vejo razões para acreditar que apesar da impunidade, a crise trará mudanças. Ao contrário, o horizonte da política brasileira parece estar povoado de elementos que nos fazem acreditar que estamos perdendo o frágil poder de levar nossos representantes a agir conforme nossos interesses. Mais do que isso: parece que estamos perdendo a capacidade de coagi-los a não agir em desacordo às nossas conveniências. Estamos em pleno domínio da política sem medo. Não se trata, obviamente, de um medo da violência, mas do receio e da hesitação diante da possibilidade de respostas, de reação. Grande parte dos políticos brasileiro — senão a totalidade — age tendo como referência a mera pressão eleitoral. Talvez seja ingenuidade acreditar que é diferente em qualquer outro canto do mundo, pode ser, mas em outros lugares o poder se recolhe ao simples aceno de uma mudança da opinião pública. Num país dominado estritamente pela forças eleitorais, se os políticos perdem o medo de agir contrariando a opinião pública é porque desacreditam a possibilidade de sofrerem respostas eleitorais. Talvez a regular e ininterrupta eleição de caciques e coronéis ao longo de décadas tenha fixado na cabeça dos políticos a ideia de que, no final das contas, importa muito pouco o que faz um político quando ele atingiu um certo status em seus domínios. No Nordeste inteiro, no interior dos estados — mesmo no interior de São Paulo, dizem conhecidos — o coronelismo grassa irrestrito. O curioso é que esses políticos se mantêm sem que haja uma contraparte significativa, a relação que eles estabelecem com seus eleitores é como a caricata relação que se conta entre portugueses e índios, a troca de minerais valiosos e outros artigos de interesses por espelhos e trivialidades urbanas. Os eleitores brasileiros vendem muito barato o poder que conferem aos seus políticos.
Tudo isso é um preâmbulo pra anunciar uma segunda e sintomática ocasião para avaliar a destemida conduta dos políticos brasileiros: o caso da censura à internet no período eleitoral. Como se não fosse o bastante ignorar os abusos trazidos a público durante crise, nossos representantes sentem-se fortes o bastante para, pouco tempo depois, nos fazer engolir sem maior reserva uma censura explícita. Com o claro propósito de controlar as forças que desde 2006 já se desenhavam como determinantes para o debate eleitoral, eles têm se empenhado em fabricar amarras que condicionem o fluxo incontrolado da internet aos seus interesses. É um jogo de cartas marcadas onde qualquer oposição é meramente cênica. A proposta de controlar a internet é duplamente sintomática: reflete a falta de freios que é a própria expressão do esvaziamento da política — isso que eu menciono ao observar a falta de pudor nas ações que contrariam visivelmente o interesse público, mas também indica a enorme ignorância em que se amparam as ações dos nossos políticos. A censura à internet não é só um enorme ônus político, é uma proposta inútil e ineficiente para o que ela se pretende. Somente se não se compreende o que está no fundo das relações e dos mecanismo da internet se pode pretender censurá-la. É lamentável que nossos políticosm sendo insensíveis às demandas mais elemantares ao aprimoramento da nossa democracia, sejam também incompetentes para realizar seus próprios interesses privados. Quem não é capaz de realizar seus propósitos tampouco pode realizar o de qualquer outro.
As regras e possíveis modificações no texto que irá censurar a web em tempos de eleição serão votadas amanhã. Qualquer que seja o resultado, tomem nota, este blog continuará escrevendo sobre política como sempre fez. Mesmo que seja preciso migrá-lo para servidor chinês ou búlgaro, ainda que para escrever eu deva encontrar maneiras de burlar filtros, usar vias e canais criptografados. Não será o poder despótico e estúpido de poucos que me deterá — quando as possibilidades de fugir às barreiras são tão grandes e variadas. A abertura que a internet promove para a informação e o debate político ainda não foi inteiramente revelada, mas quem acompanhou pela web as eleições de 2006 teve um breve indício do que pode ser. Além disso, a eleição americana e mesmo a eleição do Irã nos dão conta de como as coisas podem correr. O caráter irrestrito da internet pode produzir males, mas já modificou certas práticas e modos de fazer política. Querer domesticá-la é apenas o gesto desesperado de quem se vê diante da possibilidade de perder o controle da maneira como as informações chegam ao público. Num país cuja prática saudável da parcialidade honesta se mascara com os véus da imparcialidade, a polifonia da internet é o melhor remédio e estou certo de que, com ou sem a permissão das autoridades públicas, e apesar ds exclusão da maior parte dos brasileiros, as pessoas mobilizadas no debate público pela internet conseguirão, no mínimo, emplacar suas pautas e forçá-los a discuti-las. No máximo, ajudar no aperfeiçoamente das ideias, na mobilização de mais pessoas para o debate eleitoral, na revitalização da política impulsionada pelo apelo sedutor que ela pode ter quando embrulhada no tecido das novas tecnologias e da novidade. Estou esperançoso, apesar de tudo. Quem sabe, ao final de todo esse episódio, consigamos reaver a consideração dos políticos (ou o medo deles) pela nossa opinião, na medida em que eles se vejam sujeitos a uma força que não podem controlar.
PS. Um agradecimento especial a Sarita Santedicola, que foi elevada — ou reduzida, vai saber — à condição de revisora oficial dos meus dislexismos. Que são muitos, vocês sabem.