A nossa relação com o erro e com a ignorância é tão fundamental que parece como se nada fosse tão decisivo quanto não errar, ou não se mostrar ignorante (bem, talvez eu fale só por mim!). O medo ao erro e à ignorância é paralisante, narcoléptico, embota a criatividade e a ação. A consciência da necessidade de ter uma relação saudável com a correção deve ser um dos significados do mote socrático, “só sei que nada sei”. A ignorância não precisa ser afirmada — senão ela vira mise-en-scène, performance, espetáculo, publicidade, teatro pros outros — ela precisa ser vivida autenticamente, e não vejo como possamos viver autenticamente a ignorância senão conservando o infantil, ainda que adultos.
Quantos rascunhos Hemingway não escreveu? O rascunho não é uma maneira de acostumar-se ao erro, de familiarizar-se com ele? De acolhê-lo como parte da vida? Há muitos livros importantes, indispensáveis, sobre os quais se pode dizer, sem controvérsia, que estão errados ou que contêm erros fundamentais. Do ponto de vista filosófico eu gosto particularmente da perspectiva de Deleuze sobre a ignorância, que eu descobri recentemente ao fracassar no projeto de ler Diferença e repetição:
Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro. É só deste modo que somos determinados a escrever. Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois ou, antes, torná-la impossível. Talvez tenhamos aí, entre a escrita e a ignorância, uma relação ainda mais ameaçadora que a relação geralmente apontada entre a escrita e a morte, entre a escrita e o silêncio. Falamos, pois, de ciência, mas de uma maneira que, infelizmente, sentimos não ser científica.