Em São Paulo é fácil juntar as migalhas que se fazem de argumento contra Dilma. Em verdade, o argumento é apenas a satisfação formal de um requisito protocolar, o de que se tenha razões para votar em alguém. Não é preciso ter boas razões, as razões não devem perfazer entre elas um todo coerente e qualquer coisa pode ser posta na condição de razão. Digo isso porque, em São Paulo, não é preciso ter boas razões para não votar no PT. É como uma espécie de ranço atávico que compele certas pessoas a dirigir ao partido um ódio injustificado e que se vale de qualquer expediente para fundamentar algo que não está na ordem das razões, que é mero preconceito bem enraizado. Mas é preciso reforçar, nem todas as pessoas são assim.
Considerando as pálidas mas francas razões que me foram apresentadas, responderei em dois blocos aquelas que eu julgo ser as mais destacadas e mais recorrentes.
Certa feita eu perguntei a um amigo daqui por que ele votaria em Serra. Primeiro, ele me respondeu que Dilma era comunista e que tinha medo do que ela representava, depois desfez-se dos méritos do governo Lula atribuindo-os ao trabalho de base do governo FHC. Bem, inútil responder à primeira razão. Se você considera que Dilma é uma comunista e que ela representa uma ameaça à democracia, é bem possível que você acredite em extraterrestres e que tenha um bunker em casa que servirá de abrigo durante os dias em que formos atacados por alienígenas. Se as condições políticas e institucionais do país, por precárias que sejam, não são o bastante para dirimir dúvidas tão elementares, bem, eu não me sinto habilitado a produzir nada mais contundente. Mas a tentativa de subordinar os méritos do governo Lula às ações do governo FHC é perigosa. Há uma diferença entre competência e responsabilidade. Em muitos aspectos FHC, como Itamar antes dele e até Collor, foi responsável e deu início a políticas de importância decisiva na consolidação da nossa jovem democracia. Mas daí a explicar as complicações recorrentes, os números negativos do seu governo e os positivos do governo Lula apelando às mesmas ações, é abusar da ingenuidade do interlocutor. O aumento significativo do endividamento público, o aumento dos juros, da carga tributária, o congelamento dos salário dos professores e aposentados, o sucateamento das Universidades públicas, o desmonte das empresas estatais em nome da vassalagem internacional designada neoliberalismo — tudo isso foi mero saldo de políticas institucionais sem as quais não teríamos atingido o crescimento e não viveríamos a fase que o Brasil vive hoje? Estou longe de dominar as ferramentas teóricas necessárias para produzir uma análise mais detalhada que nos permitisse distinguir o que foi ônus das medidas responsáveis do governo FHC, do que foi simples barbeiragem ou a adoção de políticas por estrito interesse. Mas é bastante claro para quem sabe somar dois e dois que certos problemas centrais do governo FHC não se ajustam a essa ideia sapeca de que o governo do PSDB construiu o Brasil. O aumento da arrecadação, o endividamento público, a venda das empresas estatais não foram suficientes para que o nível de investimento em infra-estrutura nos livrasse de uma crise energética. E que espécie de consolidação de políticas fundantes é essa que destina à educação a um papel secundário? Que não investe em professores? Diante desse cenário duas opções se apresentam: ou o plano real e medidas correlatas são o melhor escudo que um governo pode ter, embora não tenham sido fortes o bastante para aguentar o peso de tudo que foi depositado sobre sua plataforma, ou o governo de então não sabia o que era prioritário, não sabia como investir o pouco dinheiro que alegavam ter. Nenhuma das duas opções deixa o governo anterior em cenário confortável. FHC pode ter sido responsável mas Lula foi competente. Os resultados, bem, os resultados estão aí. Não quero discutir ou afirmá-los aqui, há gente muito mais competente fazendo isso. O que me importa é apenas dizer que, não temos razões no plano federal e estadual para crer que o governo do PSDB faria melhor do que fez o governo do PT. Sempre que pergunto a alguém qual é o programa político de Serra, o que lhe distingue e caracteriza, só ouço evasivas. Ao menos uma parte da resposta eu mesmo posso dizer, ele vai elevar o mínimo para 600 reais e desprivatizar as empresas — ao arrepio daqueles que sonham com a diminuição do tamanho dos gastos públicos e com a realização do sonho neoliberal.
O PT é um partido corrupto, suas alianças são viciadas e vergonhosas. Se você reconhece o nome Ronivon Santiago e se a palavra Alstom algum vez já passou diante dos seus olhos, é quase certo que você saiba que o mundo não é preto e branco como pensam os jovens que abriram os olhos no século XXI ou os velhos que insistem em esquecer nossa história recente. Já deveria ter ficado no passado a ideia de que a política no Brasil se decide pelo apelo à reserva moral dos partidos (e o PT foi um dos primeiros a incidir nesse erro). Isso não significa que a questão seja desimportante, ao contrário. Mas não quer dizer que, nesse contexto, ela seja o critério para decidir entre diferentes candidatos. Talvez num outro país onde a corrupção não fosse um problema sistêmico, cultural, essa opção fosse válida. Não é caso. E ainda que insistíssemos nesse erro, não é certo que caberia ao PSDB a pecha de partido limpo.
Serra não costuma respeitar nem acordos que registra em cartório, nem os próprios companheiros de partido. Se isso não for um indicativo de caráter, não sei mais o que é.
Bem, não sou eu quem vai absolver as alianças do PT, mas minha crítica é à força destinada aos aliados, não a existência deles. Os simpatizantes do PSDB esquecem ou ignoram que a maior parte dos aliados que hoje apoiam o governo Lula, apoiaram no passado o governo FHC. Esquecem que, nas poucas ocasiões em que foi possível, o PSDB fez de tudo pra agenciar o PMDB pro seu lado — e conseguiu isso em parte, vejam onde está Quércia. No tenebroso mundo hipotético em que Serra sai vitorioso, resta algum dúvida de que ele correrá para os braços da segunda maior bancada no congresso, a fim de ter força para aprovar seus projetos? Só mesmo muita hipocrisia ou ignorância pode lastrear argumentos desse tipo, jogando pra segundo plano os problemas e ideias que deveriam ser discutidos.
A minha opinião é de que, cientes desses argumentos, resta muito pouco espaço aos simpatizantes do PSDB. Não acho que eles se sensibilizarão diante das objeções que apresentei, mas decerto elas podem oferecer um antídoto ao veneno que eles tentam inocular na mente dos indecisos.
Atualização – Imperdível o texto O mito da continuidade da política econômica, que diz com argumentos mais elaborados que os meus tudo aqui que eu indiquei aqui.
Atualização – Talvez esse seja o texto mais importante, pelo menos é o mais bem fundamentado, coordenando números e fontes diversas e importantes: Para você, eleitor indeciso.