Respeito e participo da opinião de que é preciso distinguir bons em maus profissionais envolvidos no trabalho da grande imprensa nacional. Sei também que há extremismo embrulhado nas críticas que alguns dirigem à imprensa — mas há muita gente honesta, com bons argumentos. Feita a ponderação, devo considerar que a já estourada nova capa da revista Veja deixa pouco espaço para os que se empenham em cobrar discernimento acerca dos profissionais do jornalismo. Nem bem se esclareceu o anterior episódio dos grampos — a CPI já se encaminhava para o final sem nenhum indiciamento — e surge nova denúncia. A impressão que se tem é que no Brasil política e jornalismo de massa se faz com enorme irresponsabilidade.
Por um lado as autoridades públicas, investidas de poderes invejadas por qualquer Leviatã, a condenar e sentenciar pessoas e instituições, malgrado os processos legais indispensáveis ao Estado de Direito (e depois a gente reclama que falta domínio técnico às pessoas que comentam política). É marca de atraso esse personalismo despótico que em nome da “democracia” joga no lixo a tradição de instituições que lutam por se firmar como sólidas — a Polícia Federal e a ABIN estão entre os mais confiáveis e regulares espaços do poder público. Do outro lado, a imprensa, alheia ao histórico das personalidades envolvidas e pouco interessada no currículo nos veículos que produzem e publicam denúncias bombásticas. É irresponsabilidade demais para um país que se quer democrático.
Lembro vagamente de ter lido ou ouvido falar a respeito da preocupação partilhada por juizes e advogados de que o processo penal não se converta em pena, de que todas as etapas e princípios próprios a um julgamento justo sejam respeitados a fim de que não se percam os fundamentos da Democracia e do Direito. Fora do âmbito judicial, nem mesmo certos juizes demonstram essa preocupação. A “opinião pública” recentemente ocupada com o Estado Policialesco denunciado pelo guardião Mendes parece pouco interessada com o Estado Denuncialesco que vigora no há décadas nestas paragens. Nesse Estado, a mera denúncia é convertida em pena e os acusadores são esquecidos mesmo que as acusações se mostrem irreais. Não é que as pessoas não devam considerar, calcular e concluir conforme seus interesses. Mesmo os ministros tem o direito de fazê-lo. Mas a regularidade com que erram e manifestam seus erros, pulando procedimentos que para advogados são questões de ofício, é certamente sintomática. Perdeu-se em nosso país — além do senso de responsabilidade, na medida em que ninguém é responsabilizado por denúncias graves — a noção de credibilidade. As denúncias se fixam sem que se apure quem são os denunciadores, que interesses estão em jogo e quais são os alvos. É um completo absurdo que a Veja paute a imprensa nacional após tantos furos. Até quando será permitido que pessoas e empresas irresponsáveis e descompromissadas determinem os rumos das notícias? Quanta lama é necessária para sujar a imagem dos órgãos de imprensa e impedir que suas produções sejam levadas a sério?
PS. Pensem vocês, o que levaria José Dirceu e o rol dos mais histriônicos direitistas tupiniquins a concordar sobre o absurdo dos “grampos” realizados por Protógenes? Vou uma dica, o nome começa com D.
Atualização 1 – Ao cabo de todas as investigações poderemos nos sentir tranquilos, certos de que a sociedade brasileira se livrou do bandido anônimo que responde pelo nome de Protógenes Queiroz. Mais um belo serviço que Dantas prestou à nação. Protógenes gozava de autonomia para grampear todo mundo. Quem controlava o controlador, pergunta Ricardo Noblat, ninguém, responde ele mesmo. Curioso que agora seja um problema a falta de controle das autoridades públicas. É mais um capítulo da novela da seletividade nacional, aguardem os próximos capítulos.
Atualização 2 – Abin pode acessar dados da PF, diz Menezes Direito
A Abin pode ter acesso a dados da Polícia Federal, segundo entende o ministro Menezes Direito, do STF. O ministro se manifestou sobre um pedido feito em dezembro pelo PPS, no auge da discussão sobre a participação da Abin na Operação Satiagraha, que investiga o banqueiro Daniel Dantas. (…) Para a defesa do banqueiro, trata-se de uma decisão monocrática, que não representa o entendimento do STF, e “a participação da Abin foi ilegal”, pois o órgão não teria atribuição para investigar.
Definição do termo “decisão monocrática”: decisão que contraria os interesses de Daniel Dantas.
Atualização 3 – Depoimento do procurador Rodrigo de Grandis sobre as informações noticiadas pela Veja:
Este procurador da República não recebeu informação do delegado Protógenes Queiroz de que a PF empregava agentes da Abin na Operação Satiagraha, seja formalmente ou informalmente. (…) Apesar de não comunicada, a participação da Abin não configura crime, nem ilegalidade. A Lei do Sistema Brasileiro de Inteligência, Sisbin, prevê a participação de agentes de inteligência e o compartilhamento de dados entre a polícia e os demais órgãos de inteligência. (…) Se a forma como essa participação foi comunicada pelo delegado Queiroz a seus superiores fere regulamentos internos da PF, isso deve ser tratado exclusivamente no âmbito administrativo, mediante investigações da própria polícia;
Leiam todo o post. Vê-se a transformação de uma investigação regular, de natureza estritamente administrativa, numa cruzada esmagadora contra a operação Satiagraha, como se as possíveis “irregularidades” da operação fossem indício do que há de mais inaceitável em nossa sociedade. Como se a corrupção que desvia dinheiro do Estado e mistura interesse públicos e privados fosse algo meramente trivial cuja solução pode ser protelada. Quando, afinal de contas, a punição aos corruptores será um problema para os setores hipócritas da imprensa?
Atualização 4 – Parecer da 5ª turma do Tribunal Regional Federal sobre a relação entre ABIN e PF:
“O compartilhamento de dados sigilosos entre a Polícia Federal e outros órgãos do Estado (CVM, Bacen, Receita Federal) ocorre ordinariamente e não causa nenhuma perplexidade”, concluíram os juízes.
E ainda mais:
Além da falta de “elementos de convicção suficientes para avaliar a participação e eventual ilegalidade na participação de agentes da Abin na Operação Satiagraha”, a impetração não apontou fato específico que tenha havido o envolvimento de agentes da Abin, nem comprovou ter suportado prejuízo concreto, ponderaram os magistrados.
E finalmente:
“As nulidades do inquérito não podem macular a ação penal”, registra a decisão. Ou seja… Qualquer ato da investigação que não tenha validade jurídica, pois transgrediu alguma regra legal, não vai invalidar a constatação do crime julgado.
Chorem, viúvas de Dantas.