Reservam-se, na mídia e nos partidos, dois ou três lugares para os discordes e resistentes, de modo que seu mero contraste com a maioria satisfeita lhes dê ares de excêntricos amalucados, fazendo deles, mais que a exceção a confirmar a regra, um instrumento de legitimação inversa do estado de coisas. (…) Abre-se oportunidade para um número um pouco maior de falsos conservadores, incumbidos de ocupar o espaço com argumentos em favor do livre mercado, perfeitamente inofensivos na atual fase da estratégia comunista, e com generalidades insossas sobre democracia, constitucionalismo, ordem jurídica, etc., sem tocar jamais nas questões substantivas que mencionei acima.
Li essas palavras não sem surpresa. Ele chega mesmo mencionar: “a estratégia gramsciana previa isso”. Como assim a estratégia gramsciana previa isso? Eu não sou dos mais indicados para falar sobre ideólogos de direita, mas esse argumento aí é um perfeito pastiche de uma das mais destacada linha de argumentação da Escola de Frankfurt. A começar pela denúncia de uma liberdade inexistente, ou melhor, de uma não-liberdade dissimulada.
Segundo minha memória traiçoeira, num dos primeiros trabalhos na Institut für Sozialforschung, Marcuse estava ocupado com o “caráter afirmativo da cultura”, nome de um dos seus artigos. O artigo, que foi bem recebido, além de ter disparado uma série de outros, fomentou o diálogo fecundo com Adorno. Tudo isso chutado de memória, diga-se de passagem. Ali se tratava, entre outras questões, do caráter totalizante da cultura. Nada restava como elemento exterior a ela, sendo todas as possíveis contradições alojada dentro dos seus próprios quadros como cerimônia e simulação. A cultura conflitante era instalada no interior da própria ordem vigente de sorte a não permitir uma oposição efetiva. Assim se exercia um maior controle sobre as forças de oposição e a liberdade era mascarada sobre o véu de uma pluralidade inofensiva e domesticada. Em Eros e Civilização essa temática aparece sob outra forma:
O povo, eficientemente manipulado e organizado, é livre; a ignorância e a impotência, a heteronomia introjetada, é o preço de sua liberdade. Não faz sentido falar sobre libertação a homens livres — e somos livres se não pertencemos à minoria oprimida.
Daí porque Marcuse e outros pensadores da Escola de Frankfurt enxergaram nas sociedades e nos países não-desenvolvidos a chave para escapar ao caráter totalizante da cultura, para redefinir a humanidade em função de um movimento autêntico, autônomo.
O conceito marxista estipulou que somente aqueles que estavam livres dos benefícios do capitalismo seriam possivelmente capazes de transformá-lo numa sociedade livre.
Bem, não quero debater teoria. Longe de mim a tarefa insana de discutir teorias de inspiração marxista com seguidores de Olavão — sou vacinado contra insanidades semelhantes. Mas o caso é que a denuncia contra uma liberdade ilusória, nos moldes apresentados pelo ilustre “filósofo” tupiniquim, é uma bela inversão de sentido de parte da Teoria Crítica. E não há Tocqueville, La Boétie e Hegel que diga o contrário.
No lugar do povo enganado pela falsa sensação de liberdade, corrompido pelas benesses que o capitalismo traz para poucos, há um povo iludido pelo discurso comunista, discurso que, na cabeça de Olavão, é majoritário. Para dissimular a realidade que só gente inteligente com ele vê, falsos conservadores são chamados à baila a fim de preencher um papel meramente cênico. As possibilidades reais de enfrentamento e contradição são simples cerimônia e simulacro num sistema contaminado pela lógica comunista. As mudanças, a revolução conservadora, é assim abortada pela falsa dialética que impede que os conservadores autênticos produzam o enfrentamento necessário às transformações. É a Indústria Cultural de polaridade invertida.
Bem, como se vê, Olavão ainda tem um pezinho lá no sindicato. E que Deus me proteja da ira dos trolls.