Notícias comentadas de Satiagraha

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Talvez a notícia da permanência do juiz Fausto De Sanctis a frente do processo que acusa Daniel Dantas de corrupção pudesse ser encarada com alegria, caso outras não nos trouxessem imediatamente de volta a nossa imunda realidade. Listarei as notícias de hoje enquanto considero uma em particular. Josias de Souza comenta em seu blog: Em gravação, Protogenes admite espionagem no STF. Prestem atenção à palavra “admite” e interrompam caso eu escorregue em algum ponto da minha argumentação. Gostaria de ir direto à questão, mas é preciso analisar o texto inteiro a fim de reforçar uma impressão qualquer. Ele começa dizendo:

Há quatro meses, interessava ao governo esconder os desacertos da Satiagraha.

Onde essa afirmação encontra respaldo? Infelizmente não podemos dizer que há algum esforço, por parte da maioria dos membros do governo, para proteger a operação — ao contrário. Criou-se na ocasião uma saia justa em função do pedido de afastamento do delegado. Por consequência Lula pediu que Protógenes fosse readmitido no caso e rechaçou a possibilidade de qualquer intervenção política no desenvolvimento da investigação. Tudo ficou muito mal expĺicado e desde então ninguém de boa fé crê no entusiasmo do governo na apuração do caso. Apenas entidades públicas e personalidades, isoladamente, têm manifestado interesse no esclarecimento de episódios e circunstâncias que Bob Fernandes denominou, com acerto, de Intestinos do Brasil. Talvez no país de Josias as coisas sejam diferentes, vai saber! O fato é que o governo não abraçou Satiagraha com o devido carinho, tampouco mostrou qualquer interesse especial em esconder o que quer que fosse. Foram somente farpas e assopros cerimoniosos. Mas Josias segue:

Agora, numa fase em que Protógenes foi convertido de investigador em investigado, interessa ao governo trazer o áudio da reunião à luz.

Bem, ainda que admitamos o interesse do governo em esconder os desacertos da operação, por que as coisas mudaram? Como a conversão de Protógenes de investigador em investigado (a expressão indelével do período kafkiano que atravessamos) deflagrou a mudança de atitude do governo e por quê? Josias não explica — e nem precisa –, em tais contextos quanto mais obscuro, melhor. Ninguém vê de onde veio o tiro. Josias enfim chega ao ponto:

A certa altura, Protógenes pronunciou diante de seus superiores uma frase que, ouvida hoje, soa como uma confissão. (…) “Nós sabíamos que tinha um HC [habeas corpus] já preparado, já um outro HC, que estava sendo gestado no gabinete no Supremo Tribunal Federal… né? E em escritórios de advocacia. Isso em trabalho de inteligência que nós…”.

Protógenes não concluiu a frase. Tampouco os delegados que o ouviam se preocuparam em pedir-lhe que esmiuçasse o tal “trabalho de inteligência”.

Observem a mudança sútil: Josias vende um admissão de espionagem, mas diante do conteúdo apenas balbucia um “soa” que não é nada além do que uma possibilidade aventada. Continuemos — percebam as nuances. Não podemos deixar de notar o salto que há entre o admitir e o soar. Entre dizer que o delegado confessou ter espionado o STF e inferir, a partir de suas palavras, a possibilidade da espionagem. Josias de Souza vende uma interpretação como uma confissão, na linguagem popular, coloca palavras na boca de Protógenes. Seu próprio texto o trai. Será que nos é permitido pensar que ele não sabe a diferença entre presenciar ou documentar uma confissão e produzir uma conclusão? Duvido muito! Mas o que justifica essa distorção gritante? Não sei. Mas eu gostaria muito de encontrar algum “advogado” de Josias que pudesse me explicar.

O ex-chefão da Satiagraha chegou mesmo a profetizar, em timbre de ironia: “Vão surgir notícias de que nós grampeamos o Supremo, que a Abin grampeou…”

Faz sentido. O delegado realizou uma operação ilegal e em seguida profetizou sua própria ruína. Um kamikaze, está explicado! Josias considera que tais declarações reforçam sua interpretação. Eu penso o contrário. O delegado pode bem ter considerado que as relações de Daniel Dantas com o STF,

descobertas no curso da operação, prestariam um bom instrumento para sujar o processo. Eu pergunto a vocês, tenho algum razão para preferir a versão de Josias a minha versão? Há alguma prova de que os grampos existiram de fato? De que Protógenes está ligado a eles? Não me refiro a interpretações estapafúrdias, nem atribuições convenientes, mas a algum documento objetivo? Aliás, nem isso, algum indício sequer, há? (Não pensem que minha versão tem algum relevância, apresentei apenas por capricho, o essencial é: das palavras de Protógenes nada pode ser inferido. Na ausência de qualquer versão, nada pode ser dito). Então me dirijo às inúmeras viúvas de Daniel Dantas: não estou aqui advogando pela impossibilidade absoluta dos grampos, não sou religioso, certezas não figuram no meu quadro de referências (salvo aquelas fundantes, claro), o que me incomoda é: por que diante de um contexto tão adverso, de circunstâncias claramente tendenciosas, a imprensa tem preferido privilegiar uma interpretação que até agora não encontrou nenhum fundamento? Pode encontrar no futuro? Claro, mas agora a razão nos constrange a abandonar todas as opiniões que circulam por aí — sobretudo a de Josias.

Ele segue aos tropeços:

Contaram-se, até o momento, nada menos que 82 agentes da Abin enfiados ilegalmente no inquérito da Satiagraha.

O general Jorge Armando Felix faz outro juizo, declarado na CPI:

Não há, até agora, qualquer prova de envolvimento da Abin em escutas ilegais. O que houve foi uma cooperação legítima com os trabalhos da Polícia Federal

Josias tem alguma razão para crer na ilicitude da participação? Qual? A CPI parece que não. O final é o mais engraçado:

Mas a platéia também aguarda ansiosa pelo desfecho da apuração de toda essa “corrupção no alto escalão dos três poderes”.

Isso mesmo, Josias, jogue para platéia! Todos aguardam ansiosos, ninguém tem dúvida disso, o Brasil inteiro, a imprensa, completamente mobilizados em favor da apuração.

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Enquanto, na Liga da Justiça… Presidente do Supremo cobra urgência nas investigações sobre escutas ilegais. Eu planejava escrever sobre isso, mas o post está muito longo e vocês já sabem quem é Gilmar Mendes. Por fim, outra notícia precisa ser registrada: CPI dos Grampos deve sugerir indiciamento de Protógenes e Paulo Lacerda:

A expectativa é que a CPI, em seu relatório final, sugira o indiciamento de Protógenes e de Paulo Lacerda (diretor-afastado da Abin, Agência Brasileira de Inteligência) por falso testemunho. (…) “Eu não conheço ninguém condenado por falso testemunho em uma CPI. Mas se não tomarmos a iniciativa, isso será enfraquecer os trabalhos da comissão”, disse Gustavo Fruet (PSDB-PR).

Anotem três nomes, Gustavo Fruet, Marcelo Itagiba e Raul Jungman. Três homens que têm trabalhado duro em defesa do estado de Direito, em favor da ordem pública, devassada pelo criminoso Protógenes. Quatro, aliás, caso Nelson Pellegrino acolha esse disparate no relatório final da CPI.

Atualização: Tarso condena desvio de conduta em ações da Polícia Federal:

“Por mais que seja o mérito e correta que seja uma operação, não justifica o desvio de conduta. Isso é essencial”, disse Tarso, admitindo se referir também ao caso da Satiagraha. “O debate sobre as funções da Polícia Federal só existe em uma sociedade democrática“, afirmou (Tarso Genro).

Qual é o sentido desses lugares comuns? Eu explico: é assim que se justica o injustificável. Como se alguém estivesse debatendo “as funções da Polícial Federal” ou dando carta branca as suas ações — isentando-a de qualquer abuso. É uma estratégia rasteira e sútil para mascarar o óbvio, aquilo que efetivamente incomoda: Por que Daniel Dantas saiu de cena e em seu lugar foram postos Protógenes e os seus, além do juiz De Sanctis? Por que a luz cai toda sobre eles e não sobre o Daniel Dantas, agente articulador dos maiores esquemas de corrupção do país? Por que as autoridades julgam com enorme celeridade as demandas de Dantas, enquanto a população inteira é vítima de uma morosidade mortal? Por que os “desvios” só incomodam — e produzem mudanças — quando envolvem bandidos ricos? Quem disse que coibir os abusos da Polícia interessa mais a democracia do que prender um corruptor, o maior deles? Por que a imprensa e o governo se comportam como se isso fosse de fato verdade? Tais perguntas seguem sem resposta. Lamentável que a sociedade democrática da qual Tarso fala não se constitua sem elas. Aqui outro bom exemplo dessa retórica barata.

Atualização 2: Operação Satiagraha custou R$ 466 mil, mais um instrumento de combate a Operação Satiagraha.

Matéria da revista Carta Capital: Nos domínios de Gilmar. Leiam! O paladino do Estado do direito, assim como Raul Jungman, tem um passado (e presente) nada confessável.

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