O despreparo psicológico dos brasileiros

O
Brasil e EUA no futebol feminino, 1×0 para elas aos 7 minutos do primeiro tempo da prorrogação. Incrível como o Brasil, dominando o jogo, não consegue encaixar uma jogada sequer. O time americano é medíocre, pra dizer o mínimo, e mesmo assim o Brasil não produziu mais do que lances esparsos, apesar da posse de bola. Eu começo a acreditar no famoso complexo de vira latas.

Incomoda a alguns a perfumaria sobre César Cielo, o único medalhista dourado do Brasil. Para mim, é uma celebração mais do que justa. Além de vitorioso, ele foi um dos poucos que demonstrou estar preparado para lidar com a peso da circunstância. A atuação das mulheres no futebol feminino revela o extremo despreparo partilhado por grande parte dos atletas olímpicos — Jadel é outro que refugou. O Cômite Olímpico e o esporte profissional brasileiro precisam considerar esses aspectos, ou será coincidência o fato de Cielo treinar nos EUA? O comportamento de alguns atletas parece amador — inclusive de alguns profissionais do futebol masculino. É preciso se profissionalizar também na relação psicológica com as variáveis envolvidas no jogo a fim de evitar que, mesmo em condições favoráveis, os atletas apresentem performances abaixo da média. Vamos esperar que o Brasil reverta o jogo contra o EUA, porém, esse jogo eu não assisto mais. Espero que a seleção feminina de vôlei também não se mostre acanhada contra o EUA.

Se o Brasil perder será triste ouvir a ladainha sobre “como ela foram vitoriosas”! Enquanto não assumirmos a derrota como derrota, estaremos incapacitados para corrigir os erros apresentados.

Atualização 1: Elas perderam. Meninas lutam, mas perdem a medalha de ouro para os Estados Unidos

Atualização 2: Eu escrevi esse comentário apressadamente, no calor da minha revolta pelo gol das americanas na final feminina de futebol. Ele apresenta superficialmente minha impressão sobre a incapacidade dos atletas de mobilizar as variáveis psicológicas envolvidas no jogo a seu favor, mesmo em condições favoráveis. Hoje, para minha felicidade, encontrei uma opinião semelhante, porém, amplamente fundamentada e bem defendida: a de Bob Fernandes. Seu post intitulado Brasil: o medo de vencer e as derrotas é o mais completo exame sobre o desempenho do Brasil nas Olimpíadas produzido até agora. Recorto abaixo passagens significativas e sugiro fortemente a leitura:

Vou elevar Muricy Ramalho à categoria de filósofo. Não sei em que gramado da vida ele garimpou a frase, mas “a bola pune” é irretocável para definir o jogo em que o Brasil entregou o ouro para os EUA no futebol feminino.A bola puniu com um 1 a 0 o domínio estéril, embalado por uma quantidade de passes errados, 62, que faria o Dalai Lama perder a paciência.

(…) Numa entrevista publicada hoje pelo Terra, o técnico Dunga diz que Ronaldo Gaúcho e a seleção não necessitam de um trabalho psicológico. Não é o primeiro a pensar assim, e é claríssimo que os atletas brasileiros têm um profundo preconceito em relação ao divã. Auxílio que, para dar apenas um exemplo, Michael Phelps tem, e tem como algo indispensável.Atletas brasileiros entendem as expressões “psicólogo”, “terapeuta”, como se fossem a marca da fraqueza e assim, enquanto não são levados a se fortalecer emocionalmente, perdem partidas, provas, batalhas em que poderiam ter vencido ou, ao menos, ido adiante. E choram, choram, o Brasil já chorou um rio Amazonas nessa Olimpíada.

(…) Normalíssima a emoção na vitória, numa derrota ou outra, mas não é possível que esse vale de lágrimas verde-amarelo não signifique descontrole, uma bandeira gigantesca da falta de preparo emocional básico para uma competição de altíssimo nível como uma Olimpíada.

Melhor do que isso, só apontar cada uma das performances desfavorecidas pela incapacidade dos brasileiros de lidar com a situação da vantagem. Pena que eu não tenha paciência para tanto. Felizmente Bob nos conforta num outro terreno, em seu comentário mais recente sobre o choro de Maurren Maggi:

Para tanto o técnico José Roberto Guimarães tomou suas providências. Pagando do próprio bolso trouxe para Pequim uma psicóloga, contou a Terra Magazine Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação Física da USP, pós-doutora e presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte. Se vencerão ou não é uma outra história, mas até a semi-final não deram sinais da fragilidade de Atenas e do Pan 2007.

Atualizações 3: Essa passagem é ilustrativa, resume tudo:

O Comitê Olímpico Brasileiro tem psicólogos na delegação?
Não tem. Algumas modalidades têm psicólogos, mas que acompanharam esporadicamente e agora de longe. A única psicóloga que está lá em Pequim é a consultora da seleção de vôlei feminino, mas mesmo assim porque o José Roberto Guimarães (técnico) bancou, não foi a federação. Tanto que ela não está na Vila Olímpica. Então se fala em psicologia do esporte quando as coisas dão errado e quando o atleta surta. O Diego Hypólito fica com aquela cara, de óbvio desapontamento e frustração, e cadê o psicólogo para dar apoio? Aí vira o técnico e fala “o nosso mundo caiu”! O que é isso? Caiu como? Sendo que a função dele naquele momento era dar o apoio que o menino estava precisando… Ele não contribui em nada, pelo contrário! E isso ainda coloca o atleta numa posição mais delicada. Se é para fazer um trabalho sério, se de fato o Brasil quer ser sede olímpica e ter um trabalho campeão, é preciso estar mais atento a essas questões.

(…) O que faltou, então, nessa preparação?

Faltou tratar os nossos atletas como vencedores. Porque a cada edição
dos Jogos eu me certifico mais que a comitiva brasileira trata como se
a ida aos Jogos Olímpicos já fosse a grande premiação

Considerações de Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação Física da USP e presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte. Não há melhor explicação!

Atualização 4: Ganha a única equipe brasileira que levou uma profissional para cuidar da mente das atletas, apesar de não ter sido inclusa no corpo da comissão técnica oficial. As meninas realmente precisavam disso. Apesar de alguma instabilidade ainda remanescente — sobretudo de Mari, que não converteu contra-ataques importantes — eles superaram as americanas com muita competência, principalmente de Sheila.

Aliás, para ficar no comentário sobre a importância da estabilidade emocional para o desempenho dos atletas, basta notar a perfomance do Brasil com Giba e sem ele, nos jogos difíceis. Apesar de ser um jogador vibrante, ele é um dos mais frios, sabe se distanciar quando necessário para trazer de volta os outros jogadores num instante de abatimento. Ele tem uma preparação natural que deveria ser cultivada, através de preparo psicológico, nos outros atletas. Como o EUA prepara Michael Phelps — também nesse aspecto.

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