Lebrun e a pobreza

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Lebrun pensa questões relativas à pobreza em artigo originalmente publicado no Jornal da Tarde, em 1981 — compilado no livro Passeios ao léu. O conteúdo de sua reflexão é atual e instingante. Recortei fragmentos do artigo que julguei interessantes.

Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento indica que”somente 32,8% dos brasileiros apresentavam, já em 1975, adequação calórica na dieta” — que “o consumo médio calórico atinge 94,7% dos níveis mínimos recomendáveis” — que “no Brasil ganham até um salário mínimo mais de 60% da população, enquanto somente no Nordeste 17,5 milhões de pessoas têm renda mensal de 800 cruzeiros” (O Estado de S. Paulo, 19.7.81, p.22). Todos hão de concordar que cifras tão sombrias tornam fúteis muitos problemas filosóficos, e bizantinas muitas querelas ideológicas. Pois a questão da pobreza não diz respeito apenas a madre Teresa de Calcutá ou aos táticos da revolução: ela interroga todos nós, a todo instante.

(…) Falta de poder social: o que isso quer dizer? Talvez valha a pena analisarmos este conceito, se quisermos penetrar um pouco mais na essência da pobreza. (…) “Alguém não é pobre — escreve — porque lhe falta um emprego produtivo e, portanto, uma renda adequada.” O que acontece é antes o contrário: é porque alguém já é pobre, que não encontra trabalho fixo ou bem remunerado; é porque já é pobre que já é pobre, que terá uma escolaridade má e estará fadado ao concubinato, etc. Em suma, é por já ser pobre que alguém se vê, desde o começo, aprisionado na pretensa “cultura” ou “subcultura”, através da qual os culturalistas, erradamente, definem a pobreza. Pois, afinal de contas, em que consiste essa maldição original? Diremos que ser pobre é não ter dinheiro?… Afirmá-lo seria tomar, uma vez mais, o sintoma pela causa: “O dinheiro não é mais do que o signo dos direitos apropriados que propiciam uma renda”. A maior parte de tais direitos depende da produtividade do seu trabalho e dos fatores que a compõem: da boa saúde, da força física, mas acima de tudo, da habilidade adquirida pela instrução. É fácil ver que esses fatores remetem a direitos sociais elementares (à saúde, à moradia, à educação) Ora, o que é um direito? É uma potencialidade que estou fundado a exigir da sociedade.. Mais até: “O direito não é nada, escreve Labbens, se depender da boa vontade do outro ou não puder ser exercido. O direito, portanto supõe um poder.” (…) Analisa-se a pobreza como se a posição econômica dos atores fosse determinada estritamente pela sua posição no sistema produtivo, isto é, pela classe a que pertencem. Galbraith percebe, sem dúvida, o quanto é insuficiente esta determinação, mas é para refugiar-se na explicação pela “acomodação” que, afinal, é tão pouco esclarecedora quanto as explicações que refuta, pois também desconhece, “para retomar as distinções de Max Weber, que não é somente a classe que conta, mas também o poder e o status“. O poder, isto é, o conjunto dos direitos políticos que tenho condições de exercer efetivamente. O status, isto é, o lugar que a sociedade me reconhece e que não coincide necessariamente com o meu papel econômico.

(…) Quer dizer: é perigoso desconhecer a dimensão política do problema da pobreza.
Daí talvez possamos extrair uma conclusão prática. Se não começarmos reconhecendo aos pobres — por analfabetos que sejam ou explorados, ou por “acomodados” que nos pareçam — uma voz e um peso político efetivo, os remédios mais miríficos ficarão sem efeito. É assim que a expansão econômica poderá muito bem multiplicar os empregos: sozinha ela nunca permitirá reduzir seriamente a pobreza. — “Vamos fazer o bolo crescer, que depois o repartiremos equitativamente”: como já ouvimos esse discurso de bons apóstolos! (…) Mas, se nos recursamos a dar a todos os atores ou ao maior número possível deles um poder efetivo, cifrado politicamente, é evidente que essa alteração nunca ocorrerá. — e que mais cedo ou mais tarde, a despeito de tantas experiências infelizes ou simplesmente medíocres, surgirá a tentação do socialismo estatal.

LEBRUN, Gérard. Passeios ao léu. “A pobreza”. Grifos meus

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