Gosto se discute!

G

Num debate sobre música, literatura, entre outras coisas, frequentemente ouvimos: “gosto não se discute”. Com razão poderíamos dizer que é difícil conhecer com objetividade os motivos que nos levaram a atribuir um determinado valor a alguma coisa — se não impossível — contudo, podemos sempre refletir sobre a possibilidade desses motivos e assim transformá-los em discurso. Para adotar uma linguagem mais conveniente, chamarei os motivos de critérios, embora, talvez, eles só ganhem a objetividade de um critério, no discurso.

Discutir gosto não é nada mais do que se comprometer com critérios a partir dos quais se pretende estabelecer o valor. Como a discussão sempre se dá no ambiente público, intersubjetivo, a possibilidade desta discussão está condicionada ao êxito na convenção sobre os critérios de avaliação, estipulados entre os debatentes. É óbvio que, se por alguma razão relativa à natureza dos objetos em questão ou à vontade do debatente, um quadro comum de critérios não for estabelecido, não haverá discussão. Isto, porém, não sugere uma impossibilidade natural para o debate, mas apenas um conflito previsível em vista da natureza política (convencional) do debate.

Mesmo que o objeto do gosto esteja inscrito num regime científico, onde a objetividade confunde-se com a demonstrabilidade ou pelo menos a exige, e portanto algum dos que debatem possa estabelecer o que diz na base de uma alta probabilidade, não haverá debate se antes não houver um acordo político (convencional) sobre tais critérios. A dificuldade de discutir gosto está na arbitrariedade da constituição dos critérios, que pretere qualquer objetividade relativa ao objeto do gosto em benefício da subjetividade da escolha. É claro que a própria subjetividade (arbitrariedade) dos critérios pode ser posta em causa, mas esta é uma complexidade que eu não gostaria de me ocupar agora. Aqui apenas quis manifestar a possibilidade de discutir gosto e suas condições linguística e políticas. A objetividade da discussão não se confunde com uma psicologia possível, nem se reduz às formas lógicas, visto que poucas vezes na linguagem natural podemos nos eximir de, a despeito da forma lógica de um anunciado, ter o valor de verdade avaliado pelo outro — ela está assentada, neste terreno mais simples que eu aqui propus, onde a arbitrariedade da eleição dos critérios não é problematizada, exclusivamente na política que se estabelece para a discussão.

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