A arte é um elemento de grande força no pensamento nietzschiano, através dela é combatido o esmagamento imposto pela parcialidade da razão, no propósito de estabelecer um domínio de segurança no qual divise claramente os elementos internos dos externos. Restaurar a força da experiência trágica através das possibilidades apresentadas pela linguagem literária, eis um dos maiores legados de Nietzsche ao trabalho literário. De Baitalle e Blanchot até Foucault, é o estilo do escritor, a força que progride na mesma razão em que se dissipa, afastando-se da interioridade do cogito, a chave para a criação artística, para a transgressão imprescindível à natureza da arte, viva e dinâmica, a despeito das clausuras nas quais a razão se encerra.
O fragmento abaixo é de Para além de bem e mal e sugere a extensão e abrangência que devem nortear a atividade escrita, sob pena de encerrá-la no mero ofício de justaposição vigiada pela semântica, atrofiando, deste modo, a beleza e musicalidade tão necessárias quanto a verdade pretendida pelos partidários de um discurso mínimo, inequívoco. É nesta lateralidade inscrita pela razão positiva, revestida de véus políticos, instituicionais e culturais, que está o núcleo de uma disposição que põe de lado a força e imprevisibilidade como componentes indeléveis da experiência existencial. É por isto que, num primeiro momento, Nietzsche reconhece como arautos da poder da tragédia, Schopenhauer e Wagner. Apesar do distanciamento posterior, a música e os elementos reconhecidos nas obras de ambos permanecem dialogando com seu pensamento.
Que martírio são os livros escritos em alemão para aquele que possui o terceiro ouvido! Como se detém contrariado junto ao lento envolver desse pântano de sons sem harmonia, de ritmos que não dançam, que entre os alemães é chamado de ‘livro’! […] Que o estilo alemão tem pouco a ver com o som e os ouvidos é demonstrado pelo fato de que justamente nossos bons músicos escrevem mal. O alemão não lê em voz alta, não lê para os ouvidos, mas apenas com os olhos: ao fazê-lo, põe os ouvidos na gaveta.
O fragmento é citado neste excelente trabalho que propõe relacionar Nietzsche e a música: