Apesar de tudo que pode ser dito contra os EUA, não há razões para não admirar o modo como eles lidam com política. De certa forma, há algo de verdadeiro no discurso de Obama após a vitória, na sua afirmação de que “o verdadeiro poder americano não vem das armas, mas de sua democracia”. À parte o idealismo que alguém poderia legitimamente atribuir a essa afirmação, há sim uma força envolvida na articulação política americana, especialmente representada no processo eleitoral. Bem, há gente muito mais preparada para comentar o resultado e o significado dessa eleição (Sergio Léo, Idelber, Pedro Doria, por exemplo), quero apenas registrar o discurso de McCain, que ilustra notavelmente esse diferencial americano. (Mas é preciso uma nota: talvez as circunstâncias determinem, ou condicionem, o tom do processo eleitoral de um país, de sorte que nossas demandas sociais, inspirando posições políticas peculiares, produzam também certos abismos intransponíveis. Enfim, esse é um tipo de observação dificilmente provável. Acho, contudo, que nossos esforços devem se orientar pelo propósito de fazer de uma postura mais limpa e polida, não a consequência, mas a causa de mudanças no comportamento político. É disso que trata a discurso de McCain no qual ele reconhece a derrota, fala sobre Obama e se dispõe a ajudá-lo). Pedro Doria traduziu parte dele:
McCain: O povo americano falou, e falou com clareza. Liguei para o senador Obama e o congratulei. (Vaias, McCain interrompe e censura.) Ele inspirou as esperanças de milhões na América e isso é algo que admiro nele. Reconheço o significado que esta eleição tem para os negros na América. Sempre acreditei que a América oferece chances para todos. E o senador Obama concorda com isso. Lamento que sua avó não tenha tido a oportunidade de ver o grande homem que ela criou. Nosso país enfrenta muitas dificuldades e, quando liguei para o senador Obama, me pus a sua disposição para ajudá-lo no que for preciso para sua liderança. Não importa nossas diferenças, somos todos americanos. É natural que alguns de nós estejamos desapontados, hoje à noite. Lutamos tanto quanto pudemos. Embora não tenha sido possível uma vitória, a falta é minha, não de vocês. Sou muito grato a seu apoio. Gostaria de um resultado diferente. Uma campanha é difícil para a família do candidato. Só posso prometer tempos mais tranqüilos a eles a partir de agora. E só posso agradecer à governadora Sarah Palin. Ela prestará muitos serviços ao Alaska no futuro. Não vou gastar um segundo pensando no que poderia ter sido. Se cometi erros, se foram. Esta foi a maior honra de minha vida. (Mais vaias, ele corrige severo: Please.) Sou grato ao povo do Arizona. Esta noite, mais do que em qualquer outra noite, o que tenho é amor por este país e por todos seus cidadãos. Tenho, agora, o desejo de o melhor das sortes pelo homem que foi meu adversário e agora é meu presidente. Nós, americanos, não nos escondemos do futuro, nós fazemos o futuro.
Não há nada de bobo em ver nessa postura algo de belo e nobre, talvez seja a falta de predicados que tenha tornado tão áspero o tratamento das coisas políticas nos últimos anos. É preciso, sim, devolver à atividade política esse ambiente de respeito, cordialidade, colaboração, que não contrasta em absoluto com os momentos mais agressivos do processo eleitoral. Ao inverso, tudo isso apenas reafirma a multiplicidade da nossa natureza. Fundamental é que saibamos dar a cada coisa seu devido valor e, por fim, reconhecer, como fez McCain, a importância de um gesto de humildade e solidariedade. Gostaria muito de ver algo semelhante por aqui, mas acho bastante improvável. Que tudo isso sirva para nós, então, como um modelo. Apesar do anti-americanismo vigente, há sim coisas que devemos considerar como exemplares.
Abaixo alguns links que podem interessar a vocês:
A transcrição completa do discurso de McCain (na CNN)
Aqui você pode assistir o vídeo do discurso e a patética manifestação de alguns republicanos, em oposição a atitude urbana de McCain
Editorial do NY Times – President Barack Obama
Tão logo caia no Youtube, fixarei aqui também o discurso vitorioso de Obama.
Atualização 1: Os discursos de McCain e Obama podem ser lidos integralmente na tradução para o português da Folha. Discurso de Obama e discurso de McCain.
Atualização 2: Numa leitura nada comparada à ingenuidade que eu represento acima, Hermanauta dispara:
O fato é que toda vez que ele citou a palavra “Obama” foi vaiado, e toda vez que citou Sarah Palin, foi aplaudido. Isto significa que na longa noite dos punhais que se avizinha do partido republicano, onde responsabilidades serão apuradas e culpas serão distribuídas, McCain será provavelmente abatido, e o partido se inclinará ainda mais para a direita representada por Palin _ ignorante, evangélica, intolerante.
De fato, isso é preocupante!