Insubordinação ou não-alinhamento?

I

O Estadão publica um texto intitulado “Os atos de insubordinação” da PF. É aquela defesa deslavada do “Estado de Direito” e das prerrogativas que só valem para os grandes criminosos. É justo cobrar da polícia moderação, mas é vergonhoso que essa atitude só ganhe repercussão quando as consequências do descumprimento recaem sobre ricos criminosos. Lamentável que o Estadão defenda tão abertamente os interesses de uma classe que há anos emporcalha o Brasil. Lamentável que um veículo de comunicação não sinta pudor de lançar-se em defesa dos direitos individuais apenas quando tais pessoas são alvos de violações. No Brasil o que não falta é ocasião para apontar falhas desse gênero.

Além disso, o jornal ignora sem reservas o que se tem relatado sobre os obstáculos impostos por agentes dentro da PF e transforma a operação num ato de insubordinação, numa rebeldia vã. Como se o desvelamento das forças opositoras fosse apenas uma questão de “competência técnica” — e não de vontade e respaldo político. Quero que mil vezes outros como ele se insurjam contra os que querem fazer da burocracia uma arma em favor de ladrões e, num ato de insubordinação administrativa (motivado pelo pouco caso da cúpula da PF, diga-se de passagem), deflagrem operações antes do aval dos seus superiores. É disso que o país precisa e não de discursos demagógicos em defesa do Estado de Direito. Onde o Estadão vê insubordinação, eu vejo não-alinhamento ao comodismo diante do caso. A questão é: quem está por trás dessa indisposição para investigar?

Vejam só o perigo! Já estão ensaiando encontrar um bode expiatório para um suposto fracasso das investigações (como aconteceu nas anteriores):

(…) nada, até aqui, contribuiu tanto para dificultar a condenação dos acusados quanto a monumental incompetência dos que comandaram, até agora, a Operação Satiagraha. Com a substituição desse comando a PF espera, em primeiro lugar, evitar um desfecho melancólico do inquérito.

Depois de combater aqueles que não queriam a operação — e realizá-la a todo custo –, agora a equipe é responsabilizada pelas dificuldades. Mas que dificuldades? Quem colocou dificuldades foram os que tentaram obstruir a investigação, ou quem permitiu a liberdade de um agente corruptor como Daniel Dantas. Se houvesse interesse em investigar, os documentos apreendidos já estariam sendo analisados — não me venha falar em dificuldades!

Terra Magazine:

Estimados 120 gigabytes em informações apreendidos há mais de uma semana continuam intocados, à espera de uma equipe de analistas e peritos que não chega.

Folha:

Os policiais coletaram o que estimam ser uma tonelada de documentos e equipamentos que precisam ser periciados para os desdobramentros da Satiagraha, mas não há pessoal suficiente para a análise.

É uma piada que em nosso país a leniência e o consentimento aos mais brutais crimes financeiros se pintem com as cores do respeito às instituições. Respeito dispensável quando o Ministro do STF resolve desfazer-se das prescrições constitucionais e assume uma atribuição que não lhe compete. Ou quando o direito de milhares de brasileiros é violado, colocando-os em uma situação sub-humana.

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